Reproduzimos em baixo uma reportagem publicada recentemente na revista do Diário de Notícias, Notícias Magazine, sobre um dos mais prometedores autores da Banda Desenhada Portuguesa, autor da série "Psicopatos" (que pode ser seguida AQUI no seu site oficial):
“O TRIUNFO DOS PATOS
Por: José Ramalho
in
Notícias magazine de 05/10/2015
“Miguel Montenegro foi o primeiro português a trabalhar para a Marvel,
mas apaixonou-se pela psicologia.
“Entretanto, lançou um livro de cartoons que junta as suas duas
paixões. Os protagonistas, os psicopatos, têm um olhar mordaz sobre psicólogos,
psiquiatras e algumas patologias mentais. Rir é mesmo o melhor remédio para
tudo?
“Com onze anos, Miguel Montenegro decidiu que, quando crescesse, seria ilustrador
profissional e trabalharia para a Marvel. «Lia muita banda desenhada de
super-heróis e orientei a minha vida nesse sentido. A minha adolescência foi
passada a desenhar.» Em 2003, realizou o sonho, tornando-se no primeiro
português a trabalhar para a gigante norte-americana de banda desenhada. Entre
outros trabalhos, «MIG», como costuma assinar na BD, fez a capa de X-Men, n.º
51, e colaborou como desenhador oficial na série Red Prophet, também da Marvel
Comics.
“Já adulto, descobriu outras paixões: a psicologia clínica e a
filosofia. «De repente os interesses começaram a ser outros e decidi tirar o
curso de Psicologia. Queria uma coisa com uma vertente mais prática.»
“À procura de estímulo intelectual que complementasse os interesses
artísticos, juntou ilustração e psicologia e começou a desenhar umas tiras de
banda desenhada a que deu o nome de «psicopatos». «Durante o meu primeiro ano
do mestrado em Psicologia Clínica no ISPA [Instituto Superior de Psicologia
Aplicada] comecei a ficar um pouco frustrado com algumas coisas que os
professores diziam nas aulas e das quais eu discordava. Optei por patos por
gerar um bom trocadilho com a palavra “psicopata”.»
“Não lhe parecendo adequado apresentar as discordâncias nas aulas,
encontrou nos cartoons a forma de manifestar as suas críticas. Os colegas
gostaram da ideia e, em 2013, começou a publicar semanalmente as tiras de banda
desenhada numa página do Facebook.
“Questionando o que considera ser alguns dogmas das ciências
psicológicas, como o conceito de inconsciente, o uso excessivo de medicação e a
própria existência de doenças mentais (o que poderá levar muitos autores a não
concordar, de todo, com o que satiriza), Miguel utiliza estes cartoons para
desconstruir e satirizar a psicanálise, conseguindo assim partilhar com os
leitores pensamentos e conhecimentos de forma divertida e informal (e por vezes
polémica, até). «Rapidamente, ao fim de três ou quatro tiras, os “psicopatos”
chegaram aos ouvidos do reitor do ISPA, que me convidou a elaborar um livro.
Essa foi a motivação para que continuasse a produzi-los de forma regular.»
Ainda em 2013, por ocasião dos cinquenta anos da instituição, foi lançado o
livro Psicopatos: 50 Tiras sobre as Ciências Psicológicas, uma edição limitada,
a que chamou volume zero.
“Miguel acredita que tanto a psiquiatria como a psicanálise têm uma
componente comercial – «é um serviço que está a ser prestado a um cliente,
ainda que chamemos paciente a qualquer pessoa que vá ter com um terapeuta» – e
é esse o fio condutor da sua sátira aguçada. Nestas tiras humorísticas, o
protagonista, «Patareco», é um pato estudante de Psicologia, sempre com
respostas sarcásticas que evidenciam as contradições do que o autor considera
ser algumas verdades absolutas no mundo da psicologia. Todos os personagens,
sem exceção, são representados por animais. O porco, psiquiatra, é inspirado no
livro O Triunfo dos Porcos, de George Orwell, em que estes animais chegam ao
poder numa quinta e ditam as regras, decidindo o que é ou não verdade. Neste
caso, a comparação com a psiquiatria é feita com base nos mesmos princípios,
dado que, defende o ilustrador, «é o psiquiatra que tem o poder e que decide o
que é, ou não, uma doença mental». Já o gavião-vampiro, que Miguel liga aos
psicanalistas, acaba por representar o facto de estes «sugarem» tudo o que as
pessoas têm na mente, além do tempo que levam em terapia.
“Fobias, depressões, neuroses, psicoses e outras perturbações são temas
abordados por Miguel, num mundo em que são prometidas curas rápidas e eficazes
por parte de psicólogos e psiquiatras – e nem sequer Sigmund Freud escapa à
sátira… A crítica vem do tempo em que estava a tirar o curso e ninguém sabia
que ele era ilustrador. Tanto que várias vezes lhe perguntaram o que fazia em
Psicologia e se não se teria enganado na escolha, tais eram as questões que
colocava nas aulas, como: «a psicologia e a psicanálise são ciências?» Ou «qual
a diferença entre estas e uma religião»? A resposta a colegas e professores,
assim como uma série de outras perguntas, chegaram em forma de cartoon, pela
voz destes patos e de outros animais, que verbalizam as dúvidas do autor, para
quem a doença mental é uma metáfora, a mente humana um mistério, a psicologia,
psiquiatria e psicanálise não são ciências exatas e têm demasiados métodos em comum
com a religião.
“Opiniões controversas? No mínimo. Mas Miguel Montenegro pretende
chocar propositadamente. E, sobretudo, fazer pensar. Haverá quem não se reveja
nesta linha de sátira, mas também quem defenda que é possível rir de tudo isto
– e, assim, refletir. «Psicopatos traz consigo (…) uma forma simultaneamente
comprometida mas desafiante, que coloca a psicologia, os psicólogos e aqueles
com quem eles mais se relacionam sob um escrutínio que nos devia merecer
reflexão», escreve o psicóloge e psicanalista Eduardo Sá no prefácio.
“Dois anos depois do lançamento do volume zero, o ilustrador lançou
este ano o primeiro livro oficial, Psicopatos: Entre Loucos, Quem Tem Juízo É
Pato (ed. Arcádia). Estes personagens são, neste momento, a grande prioridade
de Miguel Montenegro, apesar de continuar a trabalhar como ilustrador
freelancer e na área da psicologia clínica. «Estou a finalizar o segundo livro,
que deverá sair na época do Natal. Além disso, estão também a ter grande
aceitação no estrangeiro e será lançada em breve uma edição francesa. E já
existem projetos para o Brasil e os Estados Unidos.» O site www.
psychoducks.com contém todas as tiras traduzidas em cinco línguas diferentes”.
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