Descobri a série Peanuts na minha infância e juventude, nas páginas do jornal "Diário de Lisboa", o jornal que entrava todas as tardes em casa. Por isso, recordar a minha infância passa também por recordar essa série.
Para além disso, iniciei-me na escrita através de um artigo publicado em Abril de 1973 que biografava Charles Schultz e que abaixo reproduzo, com ligeiros acertos e correcções, recordando o 65º aniversário da publicação da primeira tira dos Peanuts:
“A Banda Desenhada constitui um negócio razoável”, afirmou um dia
Charles Monroe Schultz. “Você também pode ser razoavelmente inteligente, pois,
se fosse mesmo inteligente estaria a fazer outra coisa. Você tem de desenhar razoavelmente
bem, pois se desenhasse mesmo bem, seria um pintor . Você tem de escrever razoavelmente,
pois, se escrevesse mesmo bem, estaria a escrever livros. Este trabalho é
razoável para quem é uma pessoa razoável como eu”.
Charles Monroe Schultz nasceu em Mineápolis em 26 de Novembro de 1922.
Era um menino tímido, cheio de frustrações e fracassos e que na escola
só se distinguia pelas más notas. O seu único consolo era desenhar e, quando o
fazia, construía o seu próprio mundo.
O seu sonho era conseguir vir a ser um
dia um bom caricaturista e desenhar uma tira diária.
No último ano de estudos
os seus desenhos foram rejeitados do boletim dos finalistas do curso.
Com aquelas perspectivas não teve qualquer interesse em ingressar na
universidade. Quase sem transição, viu-se com uma espingarda nas mãos:
estava-se em 1943 e tinha 21 anos, e foi mandado para a Frente Europeia da
Segunda Guerra.
Na única vez que esteve na frente de batalha descobriu que se tinha
esquecido de carregar a metralhadora.
Após a guerra Schultz conseguiu um empego com letrista numa revista
humorística. Depois tirou um curso de arte por correspondência, na sua cidade
natal. Por essa altura casou-se com uma bela rapariga de olhos azuis chamada
Joyce Helverson. Tiveram cinco filhos.
Em 1946 vendeu a sua primeira história em quadradinhos ao Saturday
Evening Post e conseguiu uma colaboração irregular num dos diários locais de
St. Paul, Minesota, o Pionner Press, com a série “Litle Folks”. Ao fim de um
ano, num dia em que se esqueceu que era tímido, pediu uma colaboração diária. Foi
despedido imediatamente.
Após ter visto a sua série a ser rejeitada noutros jornais e agências,
ela foi adquirida em 1950 pela United Feature Syndicate, mas na condição,
apesar dos protestos de Schultz, de ser
rebaptizada, com o nome de Peanuts.
Os Peanuts foram publicados pela primeira vez em 2 de Outubro de 1950,
passam agora 65 anos.
(a primeira tira da série Peanuts, editada em 2 de Outubro de 1950)
No primeiro mês da edição da série ganhou noventa dólares e, alguns meses depois, fazia mil dólares por
mês. No final da sua vida ganhava mais de mil dólares por mês.
Em 1967 ganhou o prémio atribuído pela Academia Sueca de Banda Desenhada
à melhor série.
Os Peanuts chegaram a ser publicados em mais de mil jornais nos Estados
Unidos e noutros 70 países. Em Portugal foi o jornal “Diário de Lisboa” que
divulgou nas suas páginas, diariamente, essa série, ao longo das décadas de 60
e 70 do século passado.
A série é hoje um grande negócio, aparecendo as suas personagens
reproduzidas em discos, livros, bonecos, estampas, fatos, postais, material escolar
e até em automóveis.
Charlie Brown, a principal personagem da série, serviu de tema a uma
comédia musical no Broadway e a um filme a cores intitulado “Charlie e Snoopy” (
que foi estreado em Portugal no cinema Satélite em 6 de Dezembro de 1971), filme
que foi classificado então, pelo crítico de cinema Lauro António, como o melhor
filme de animação estreado em Portugal em 1971.
Schultz filmou também para a CBS sete programas de desenhos animados,
de meia hora cada, com as suas célebres personagens e que a RTP exibiu em Portugal em 1971. Esta
foi apenas a primeira de muitas outras séries televisivas com os personagens dos Peanuts.
O realizador da maior parte da série de animação para a televisão, o
único autorizado a fazê-lo foi o seu amigo, desde 1959, Bill Melendez, falecido em 2008.
Também um dos primeiros módulos lunares do programa Apolo foi baptizado
com o nome Snoopy, o simpático cão da série.
Os principais personagens da série são Charlie Brown, em parte
autobiografando o Schultz da sua infância, Snoopy, que se baseou num cão da sua
infância, o Spike, Lucy Van Pelt, Linus Van Pelt, Shroeder ( o pássaro amante
de Beethoven), Sally Brown, Petty e Violet.
Na Europa surgiram várias revistas de Banda Desenhada que se inspiraram
nos personagens da série, com Linus (Itália), Carlitos (Espanha) ou Charlie
(França), esta última que esteve na origem do conhecido Charlie Hebdo .
Grande parte da série tem sido reeditada em edições de bolso e em álbuns de
BD, um pouco por todo o mundo.
Afirmou Schultz, numa das suas muitas entrevistas que “as pessoas lêem
uma porção de coisas naquelas histórias, mas, na verdade elas contam apenas as
tolices que fiz quando era criança. Agora envergonho-me quando me dou conta de
que milhões de pessoas de todo o mundo lêem, e também vêem todas as tonturas que fiz quando era criança.”
Segundo Barnaby Conrad, Schultz sempre sentiu a perda do seu cão Spike
e a perda da sua infância e conseguiu transmitir essa lembrança e profundo
sentimento “em palavras e figuras que alcançaram quase todo o mundo.
Existe um pequeno Charlie Brown em todos
nós, humanos…”.
Schultz viveu os últimos anos da sua vida perto da Califórnia,
dividindo o seu tempo pelo golfe, pelo hóquei no gelo e pela Banda Desenhada.
Tendo-lhe sido diagnosticado um cancro em 1999, deixou de publicar a
série nesse ano. A última tira dos Peanuts foi publicada em 14 de Dezembro de
1999.
Schultz faleceu no dia 12 d Fevereiro de 2000, tendo deixado uma última
tira de despedida aos seus fãs que foi publicada no dia seguinte ao da sua
morte.
Uma das histórias que Schultz preferia da série, e que resume muito do
seu espírito, era uma em que os garotos da série olham uma formação de nuvens,
Linus diz “aquela nuvem parece um pouco o perfil de Thomas Eakins, o pintos
famoso. E aquela outra lemba-me o mapa das Honduras Britânicas. E aquele grupo
mais além parece o apredrejamento de
Santo Estevão…posso ver o apóstolo Paulo de pé, um pouco para o lado”, ao que
Lucy diz: “Hum…Muito bem. E você, Charlie, o que vê nessas nuvens”, ao que Charlie responde: “Bem! Eu ía dizer que via
um patinho e um cavalinho, mas mudei de ideias…”
(texto baseado num dos primeiros textos que escrevi na minha vida,
publicado no fanzine Impulso nº 3, de Abril de 1973, quando tinha apenas 17
anos)
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