A relação das aventuras de Hergé com Portugal é uma longa História.
É bom recordar que, a primeira vez que TinTin foi traduzido,
foi para português, sendo também em Portugal que foi editado a cores pela
primeira vez.
A História conta-se em poucas linhas:
Em 18 de Abril de 1935 foi publicado o primeiro número da
revista juvenil, “O Papagaio”, como suplemento infantil de um jornal católico, propriedade
da Rádio Renascença, fundada por Adolfo Simões Müller e pelo padre Abel Varzim,
com redacção na Rua Capelo, em Lisboa.
Abel Varzim tinha estudado, entre 1930 e 1934, sociologia na
Universidade de Lovaina, tendo conhecido as aventuras de TinTin no suplemento
“Le Petit Vingtiéme”, do diário católico “Le Vingtiéme Siécle”, dirigido pelo abade
Norbert Wallez, que o padre Varzim conheceu naquela universidade.
O percurso futuro desses dois padres católicos não podia ser
tão diferente. Abel Varzim tornou-se um critico e opositor do regime do Estado
Novo, sendo perseguido por isso e sendo uma espécie de fundador do movimento de
“católicos progressistas”, que tantas dores de cabeça deu a Salazar e ao seu
regime. Pelo contrário, o padre Wallez acabou expulso do “Le Vingtiéme Siécle”,
ainda na década de 30, devido às suas simpatias pelo fascismo e pelo nazismo,
sendo preso depois da libertação da Bélgica em 1944, cumprindo 5 anos de prisão
como colaboracionista com os ocupantes.
Mas voltando a Tintin
em Portugal, Abel Varzim, regressado aao seu país , enviou ao director do
“Vingtiéme Siécle” uma carta, datada de 25 de Maio de 1935, pedindo que
Wallez intercedesse junto de Hergé para este autorizar a publicação, na revista portuguesa “O Papagaio”, das aventuras de Tintin, pedindo,
igualmente, para ser combinado um preço especial pelos direitos dessa
publicação, devido às dificuldades económicas da revista portuguesa.
Uma evidente cedência à censura portuguesa, por parte d’ “O
Papagaio”, foi a alteração de uma legenda de “TinTin na América”, onde uma cena
no original, referida como uma greve de trabalhadores norte-americanos, é
traduzida na edição portuguesa como um “paragem para o almoço”.
TinTin foi designado
como Tim-Tim, um repórter “português”, o cão Millou transformou-se, primeiro em
Pom-Pom e, depois, na “cadela” Rom-Rom, para que o seu nome não fosse confundido
com a cantora Milú, uma famosa cançonetista da rádio portuguesa.
O Capitão Haddock foi transformado no Capitão Rosa que, em
vez de beber Whisky, passou a beber Vinho do Porto, o professor Tournesol foi
baptizado como senhor Pintadinho de Branco e, mais tarde, professor Girassol.
Um dos casos mais estranhos foi transformar um dos poucos
“portugueses” originais da série, o “vendedor ambulante” Oliveira da Figueira,
que apareceu pela primeira vez na aventura “Os Charutos do Faraó” (1934), num
espanhol de Málaga, fugido da Guerra de Espanha (altura em que essa aventura
foi editada n’”O Papagaio”), talvez porque fosse considerado uma figura pouco
abonatória do ideal do “português” propagandeado pelo Estado Novo.
Oliveira da Figueira surgiu noutras duas aventuras de
TinTin, “TinTin no País do Ouro Negro” (1950) e em “Coke em Stock” (1958).
Há ainda um “vilão”, Dr. Müller em “A Ilha Negra” (1938), por
muitos identificado como uma alusão a Adolfo Simões Müller, director d’”O
Papagaio”.
Em "Tintin no Congo" aparece, numa cena esporádica, um anónimo jornalista português do "Diário de Lisboa. Há ainda um professor de Coimbra, noutro album de TinTin.
Houve também outras adaptações, como “TinTin no Congo”, que se intitulou “TinTin em Angola”, redesenhando-se mesmo algumas vinhetas para tornar este título mais verosímil, como na cena da aula dada por TinTin a crianças negras, onde o mapa da Bélgica, no quadro, foi substituído pelo mapa de Portugal. Mais tarde o próprio Hergé redesenhou este quadradinho, retirando-lhe a conotação colonialista da primeira edição.
Hergé enviou uma carta, datada de 12 de Maio de 1936, ao padre Abel Varzim, congratulando-se com a edição portuguesa da sua obra, elogiando, nomeadamente, a novidade da colorização das aventuras de TinTin, mas também fazendo algumas críticas à paginação que, quanto a ele, retirava algum suspense às aventuras.
Quando a Bélgica foi ocupada pelas tropas nazis, em Maio de
1944, tornou-se complicado transferir dinheiro de Portugal para pagar a Hergé,
pelo que este propôs o pagamento dos direitos em géneros, como sardinhas em
conserva, chá, café, cacau, azeite, chocolate, leite condensado, arroz e
bolachas. Hergé pediu igualmente para incluírem dois avios mensais em géneros
para o irmão Paul, prisioneiro de guerra na Alemanha.
- “Tim-Tim na América do Norte” –nºs 53-110, de 16/04/1936 a
20/05/1937;
- “Aventuras de Tim-Tim no Oriente” (“Os Charutos do Faraó”
no original) –nºs 115-161, de 24/06/1937 a 12/05/1938;
- “Novas Aventuras de Tim-Tim” (“O Lótus Azul” no original)
– nºs 166-205, de 16/06/1938 a 16/03/1939;
- “Tim-Tim em Angola” (“TinTin no Congo” no original) – nºs
209- 244, de 13/04/1939 a 14/12/1939;
- “Tim-Tim e o mistério da Orelha Quebrada” – nºs 247-298,
de 04/01/1940 a 26/12/1940;
- “Tim-Tim na Ilha Negra” ( “TinTin no País do Ouro Negro”,
no original)- nºs 301-359, de 16/01/1941 a 26/02/1942;
- “Tim-Tim no Deserto” (“O Caranguejo das Tenazes de Ouro”
no original) – nºs366-226, 16/04/1942 a 10/06/1943;
- “A Estrela Misteriosa”- nºs 435-540,de12/08/1943 a
16/08/1945;
- “O Segredo do Licorne” – nºs 617-679, de 06/02/1947 a
15/04/1948.
Em 1941 Adolfo Simões Müller abandonaou “O Papagaio”, por divergências com Abel Varzim, e fundaou uma nova revista juvenil, “O Diabrete” (4 de Janeiro de 1941- 29 de Dezembro de 1958). Müller chegaou a escrever a Hergé para conseguir ficar com os direitos de publicação de TinTin na nova revista, mas não o conseguiu, pelo que essa série continuou a ser publicada n’”O Papagaio”.
Contudo, conseguiu adquirir os direitos de uma outra série, até aí nunca
publicada em Portugal, que nasceu depois do TinTin também na revista “Le Petit
Vingtiéme”, a série humorística Quick e Flupck, que será publicada no “Diabrete”
entre 5 de Janeiro de 1941 e 10 de Outubro de 1943, com a designação de
“Tropelias do Trovão e do Relâmpago”.
Entretanto, com o fim d’”O Papagaio” em 1949, Simões Müller
conseguiu adquirir os direitos de TinTin, publicando três aventuras no
“Diabrete”, a primeira “O Ceptro de Ottokar”, com a designação de “Aventuras de
Tim-tim e Rom-Rom”, entre 9 de Março de 1949 e 18 de Março de 1950, seguindo-se
mais duas aventuras, “O Tesouro de Rackham, o Vermelho”, aportuguesado para “O
Tesoiro do Cavaleiro da Rosa”, entre 25 de Março de 1950 e 21 de Março de 1951,
e “As 7 Bolas de Cristal”, entre 4 de Abril de
e 29 de Dezembro de 1951, ficando a publicação desta aventura
incompleta, devido ao facto de o “Diabrete” ter interrompido a sua publicação
nesta data, ao fim de 553 edições.
O “Templo do Sol” foi a primeira aventura de “TinTin”
publicada nesta revista, primeiro no corpo da própria revista, a partir do seu
primeiro número, em 5 de Janeiro de 1952, e depois continuando a sua publicação
no suplemento “Pajem”, entre 5 d Julho de 1952 e 22 de Agosto de 1953.
Ao todo foram publicadas 7 aventuras do TinTin no “Cavaleiro
Andante”, algumas pela primeira vez em Portugal, como “Tintin na Lua”,
publicando, com o mesmo título, e sem interrupção, as duas aventuras, “Objectivo
Lua e “TinTin na Lua”, ao longo de 2 anos, entre 17 de Outubro de 1953 e 31 de
Dezembro de 1955, “O Caso Tornesol”, sob o Título de “O Caso da Arma Secreta”,
e o “Carvão no Porão (Cocke em Stock)” com o título “Os mercadores de ébano”.
Foi republicado o “TinTin na América” e “O Lótus azul”, anteriormente
publicados em “O Papagaio”, mas agora na nova versão, actulizada por Hergé.
A última aventura publicada foi “Tim-Tim no Tibete”, entre 18 de Novembro de 1961 e 4 de Agosto de 1962, aventura que tinha começado a ser publicada no “Foguetão” entre Maio e Julho de 1961, mas que ficou incompleta devido à curta vida desta revista.
A última aventura de TinTin publicada em Portugal sob a orientação de Simões Müller foi “As Joias de Catafiore “, sob o título “As Jóias da Prima Dona”, na revista “Zorro”, entre 6 de Abril de 1963 e 6 de Junho de 1964, única aventura dessa série publicada nessa revista.
Foi no “Zorro” que foram publicadas, pela primeira vez em Portugal, as aventuras de outra série de Hergé, “Jo, Zette e Jocko”, em “O “Manitoba” Não Responde” e “A Erupção de Karamako”, entre 20 de Junho de de 1964 e 23 de Junho de 1966. Estas duas aventuras voltariam a ser editadas em Portugal no suplemento “Quadradinhos” do jornal “A Capital”, em 1972 e 1973, conhecendo ainda uma edição em álbum, das cinco aventuras desta série, pela Verbo, sob a designação de “Aventuras de Joana, João e do Macaco Simão”, na década de 1980.
Foi com o aparecimento da revista “TinTin” que tivemos, em
Portugal, a publicação integral de todas as aventuras do herói criado por
Hergé, entre o 1º número, editado em 1 de Junho de 1968, e o último, em 2 de
Outubro de 1982. A única aventura não editada na totalidade, devido ao
encerramento da edição da revista, foi a reprodução, pela primeira vez em
Portugal, da primeira aventura de Tintin, “TinTin no país dos sovietes”, só
editada, de forma completa, em álbum, em meados da década de 1980.
Hergé responde-lhe, em
22 de Março, lamentando que tal não seria possível, já que esses direitos
tinham sido adquiridos por uma editora brasileira, a Flamboyant, que tinha
adquirido igualmente os direitos de os vender, traduzidos no português do Brasil,
em território português.
Assim, a edição das aventuras de TinTin em álbum, em
português, foram da responsabilidade, até 1988, daquela editora rasileira, que
editou o primeiro álbum do Tintin em língua portuguesa em 1961, “A Estrela
Misteriosa”.
Só a partir de 1988 é que a editora Verbo conseguiu os
direitos para Portugal, editando os álbuns da série até 1999.
Actualmente os direitos da série pertencem à editora Asa.
Hergé nunca veio a Portugal. Apenas por duas vezes foi
entrevistado por um jornalista português, Luiz Beira, a primeira das quais
publicada na revista “Plateia” nº 306 de 13 de Dezembro de 1966, a segunda em
Novembro de 1982, uma das últimas concedidas por Hergé, já que faleceu em 3 de
Março de 1983.
Esta segunda entrevista manteve-se, contudo, inédita até
1985, sendo finalmente publicada na 5ª série da revista “O Mosquito”, no nº6 de
Março de 1985.
Nesta última entrevista, Hergé lamentava-se por nunca ter
visitado Portugal, um “belo país” que o atraia, prometendo fazê-lo um “dia, quem
sabe?”, bem como pondo igualmente a hipótese de “um dia talvez, quem sabe?”, situar uma
aventura de Tintin em Portugal. Infelizmente a morte prematura de Hergé
impediu-o de concretizar esses desejos.
(Fonte Principal para este capítulo:
(Continua)
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