segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Hergé, "TinTin por TinTin" - 5ª parte - As Controvérsias e os interditos .


Foram muitas as controvérsias geradas à volta das aventuras de Tintin, como as já referidas à volta de das duas primeiras aventuras.

Houve mesmo quem visse na relação entre Tintin e o capitão Haddock sinais de homossexualidade.

O facto de haver poucas mulheres na série foi outro motivo de polémica.

Defendendo-se desta acusação, Hergé afirmava que essa situação não era por misoginia, mas porque, para ele, “a mulher nada tem a fazer num mundo como o TinTin. É o reino da amizade viril e esta amizade nada tem de equívoco. Claro que aparecem poucas ou nenhumas mulheres. E quando elas surgem são monstros, como Castafiore…Se eu crio uma personagem de rapariga, ela tem de ser bonita, caso contrário não vale a pena, e que fará ela num mundo onde todos os indivíduos são caricaturas?...Amo demasiadamente a mulher para a caricaturar” (entrevista a Numa Sadoul).

Ao longo do tempo surgiram várias versões ilegais da TinTin, algumas parodiando a série, muitas de caracter mais “underground”, variando entre o teor pornográfico, e o uso da série para propaganda política.

Talvez a mais antiga versão pirata de TinTin tenha sido uma tira curta, intitulada “TinTin au pays des nazis”, publicada em 1944 e satirizando o trabalho de Hergé no jornal Le Soir, controlado pelos ocupantes nazis.

Entre as muitas edições piratas usando TinTin para propaganda e paródia política, a mais famosa e disputada por colecionadores é “The Adventure of TinTin – Breaking Free” da autoria de J. Daniels, um pseudónimo não identificado, publicado na revista anarquista britânica Attack Internacional, em 1988 e reeditada em Janeiro de 1999.

Nesta “aventura” 176 páginas TinTin vive, de forma miserável num bairro operário londrino e participa numa violenta revolução para derrubar o governo britânico.



Também na revista humorística norte-americana National Lampoom surgiu um “TinTin no Líbano”, uma critica à politica de Ronald Reagan para o médio-oriente.

Do mesmo teor político, são muitas as aventuras de “contrafacção” envolvendo TinTin e o seu universo, como “TinTin no Iraque”, de 2003, “TinTin em El Salvador”, “TinTin dans le Golf”, “L’Énigme du 3ième message”, uma provável referência ao terceiro segredo de Fátima, ou “Les Harpes de Greenmore”, onde TinTin aparece como guerrilheiro do IRA.

São também muitas as obras de teor erótico-pornográfico envolvendo TinTin e outras personagens da série.

Desse teor, as mais conhecidas e reproduzidas são “TinTin en Suisse” e“La Vie Sexuelle de TinTin”.

“TinTin en Suisse” foi desenhado por Charles Callice em 1976, para uma editora de Amesterdão, edições Sombrera.

Esta paródia erótica está interdita na França e na Bélgica, mas a sua edição continua autorizada na Holanda.

Sobre este álbum foi feita, em 1983, uma paródia ao próprio álbum, “Kuifje en de Vervalsers”

Uma versão reciclada dessa aventura ilegal foi realizada por Jan Bucquoy. Este Jan Bucquoy foi responsável pela interdita “La Vie Sexuelle de TinTin”.

Existem muitas outras paródias de tipo erótico-pornográfico explorando o universo de Tintin, como “TinTin na Tailândia” ou “TinTin pour les dames”, numa alusão irónica à quase ausência do universo feminino nas histórias de TinTin.

Mas é aquela “Vida Sexual de TinTin” que mais polémica tem gerado, com edições em várias línguas e um processo judicial que, em 1992, condenou o seu autor Jan Bucquoy.

Este Bucquoy, um autor belga de banda desenhada e com carreira cinematográfica, nascido em 1945 e de tendência anarquista foi autor de várias bandas desenhadas de teor erótico e mesmo pornográfico, tendo publicado a primeira versão dessa “aventura” no nº3, fora-se-série, da revista “Bede X”, em 1980. Mais tarde essa história foi reeditada pela revista belga “Belge”, motivando o processo judicial referido em cima. Apesar disso essa aventura foi publicada num album de 40 páginas em 1993, com o título “La Vie Sexuelle de TinTin”.

Uma das mais recentes controvérsias à volta da figura de TinTin foi motivada por um conjunto de pranchas e quadros do artista plástico bretão Xavier Marabout, nascido em 1967, representando imaginárias cenas do quotidiano de um TinTin adulto e namoradeiro, em cenas quase eróticas.

Uma parte dessa obra imagina, em duas pranchas “mudas”, uma relação entre TinTin e outra personagem de BD, Yoko Uno, personagem criada por Roger Leloup, um autor de BD que trabalhou nos Estúdios Hergé.

As outras obras em acrílico sobre tela, num total de 23, exploram uma imaginada vida amorosa de TinTin, baseado em obras de Edward Hopper, expoente máximo do chamado híper-realismo.

Como seria de esperar, essa interpretação foi contestada pela “Sociedade Moulinsart”, que detém os direitos de autor da série TinTin, mas que acabou por perder o processo no tribunal de Rennes, que, no início deste ano, decidiu a favor do artista bretão.

Marabout começou as suas obras, usando a figura de TinTin, em 2014 e, em 2015, expôs algumas das suas obras na Bélgica, exposição que motivou a reacção da “Moulinsart”, tendo o processo começado a corre em tribunal em 2017, acabando este por decidir a favor da liberdade artística do pintor bretão.

Além disso, a Moulinsart foi condenada a pagar uma indeminização ao artista plástico, no valor de 10 mil euros, e a pagar as custas do processo, no valor de 20 mil euros.

Marabout não pretende continuara a explorar a série TinTin nas suas obras, mas gostaria de realizar parcerias idênticas às que realizou com TinTin e Hoper, desta vez misturando o universo de Philémon de Fred, com o de Salvador Dalí, ou o de Dragon Ball Z com o de Mark Rothko.



Bibliografia:

- “Marabout : J´’ai gagné mais j’arrête” (entrevista com o autor dos polémicos quadros de TinTin ao estilo Hooper), in Casemate nº 147 de Junho de 2021, pp.8 a 12;

- Special Hergé, Schtroumpf-Les Cahiers de La Bande Dessinée, nº14/15, Setembro/Dezembro de 1971 (inclui uma longa e célebre entrevista dada por Hergé a Numa Sadoul, publicada na revista portuguesa “TinTin”, ao longo do 6º ano da sua edição, com tradução de Vasco Granja);

- TinTin – survivra-t-il? , Haga – Revue de Bande Dessinee, nº16-17 , Inverno de 1974;

- “La Vie Sentimentale de TinTin – Hergé contre Hoper”, in Les Cahiers de La BD, nº8, Julho/Setembro de 2019, pp.65 a 77;

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