sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Flexágono - A nova banda desenhada portuguesa no FOLIO de Óbidos


O Fólio, Festival de Literatura Internacional de Óbidos, encerra este fim-de-semana.

Contudo, algumas das suas iniciativa prolongam-se para lá dessa data, como acontece com a exposição "Flexágono - Faces da Banda Desenhada Portuguesa" que pode ser visitada até 31 de Outubro.

Com curadoria de Pedro Moura, nela podemos ver algumas das propostas dos novos autores da Banda Desenhada Portuguesa, ao mesmo tempo que podemos apreciar e comprar o que em Portugal se vai publicando, numa área cada vez mais dinâmica, do ponto de vista editorial.

Dos oito autores expostos, com propostas e pranchas originais, são quase todos nascidos na déca de 80, com a excepção de Francisco Sousa Lobo, o mais velho, nascido no Maputo em 1973, e de Joana Mosi, lisboeta nascida em 1995.

Os restantes autores presentes são Filipe Andrade (Lisboa, 1986), Ricardo Paião de Oliveira (Lisboa, 1983), André Pereira (Figueira da Foz, 1987), Sofia Neto (S. João da Madeira, 1989), Ricardo Baptista (Funchal, 1984) e Ana Matilde Sousa (Lisboa 1985).

Apreciando essa exposição, que mostramos em baixo, podemos dizer que a Banda Desenhada nacional  tem futuro garantido, com propostas de qualidade e de grande originalidade como aquelas que podemos apreciar nesta exposição.











segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Hergé "TinTin por TinTin" - 2ª parte- TinTin em Portugal


A relação das aventuras de Hergé com Portugal é uma longa História.

É bom recordar que, a primeira vez que TinTin foi traduzido, foi para português, sendo também em Portugal que foi editado a cores pela primeira vez.

A História conta-se em poucas linhas:

Em 18 de Abril de 1935 foi publicado o primeiro número da revista juvenil, “O Papagaio”, como suplemento infantil de um jornal católico, propriedade da Rádio Renascença, fundada por Adolfo Simões Müller e pelo padre Abel Varzim, com redacção na Rua Capelo, em Lisboa.

Abel Varzim tinha estudado, entre 1930 e 1934, sociologia na Universidade de Lovaina, tendo conhecido as aventuras de TinTin no suplemento “Le Petit Vingtiéme”, do diário católico “Le Vingtiéme Siécle”, dirigido pelo abade Norbert Wallez, que o padre Varzim conheceu naquela universidade.

O percurso futuro desses dois padres católicos não podia ser tão diferente. Abel Varzim tornou-se um critico e opositor do regime do Estado Novo, sendo perseguido por isso e sendo uma espécie de fundador do movimento de “católicos progressistas”, que tantas dores de cabeça deu a Salazar e ao seu regime. Pelo contrário, o padre Wallez acabou expulso do “Le Vingtiéme Siécle”, ainda na década de 30, devido às suas simpatias pelo fascismo e pelo nazismo, sendo preso depois da libertação da Bélgica em 1944, cumprindo 5 anos de prisão como colaboracionista com os ocupantes.

Mas voltando a Tintin  em Portugal, Abel Varzim, regressado aao seu país , enviou ao director do “Vingtiéme Siécle” uma carta, datada de 25 de Maio de 1935, pedindo  que Wallez intercedesse junto de Hergé para este autorizar a publicação, na revista portuguesa “O Papagaio”, das aventuras de Tintin, pedindo, igualmente, para ser combinado um preço especial pelos direitos dessa publicação, devido às dificuldades económicas da revista portuguesa.

O pedido teve êxito e, depois de o anunciar no nº49 e editar a 1ª capa com a nova personagem no nº 51  de “O Papagaio” , na edição nº 53 de 16 d Abril de 1936 começou a  publicar em Portugal a primeira aventura de Tintin, “Tim-Tim na América do Norte”.


A revista fez algumas adaptações das aventuras de TinTin à situação portuguesa, aportuguesando igualmente o nome de algumas personagens, uma condição também para escapar à censura, que obrigou muitas vezes a esse tipo de adaptação de outras obras de banda desenhada estrangeira publicadas no país.

Uma evidente cedência à censura portuguesa, por parte d’ “O Papagaio”, foi a alteração de uma legenda de “TinTin na América”, onde uma cena no original, referida como uma greve de trabalhadores norte-americanos, é traduzida na edição portuguesa como um “paragem para o almoço”.

TinTin foi designado como Tim-Tim, um repórter “português”, o cão Millou transformou-se, primeiro em Pom-Pom e, depois, na “cadela” Rom-Rom, para que o seu nome não fosse confundido com a cantora Milú, uma famosa cançonetista da rádio portuguesa.

O Capitão Haddock foi transformado no Capitão Rosa que, em vez de beber Whisky, passou a beber Vinho do Porto, o professor Tournesol foi baptizado como senhor Pintadinho de Branco e, mais tarde, professor Girassol.

Um dos casos mais estranhos foi transformar um dos poucos “portugueses” originais da série, o “vendedor ambulante” Oliveira da Figueira, que apareceu pela primeira vez na aventura “Os Charutos do Faraó” (1934), num espanhol de Málaga, fugido da Guerra de Espanha (altura em que essa aventura foi editada n’”O Papagaio”), talvez porque fosse considerado uma figura pouco abonatória do ideal do “português” propagandeado pelo Estado Novo.

Oliveira da Figueira surgiu noutras duas aventuras de TinTin, “TinTin no País do Ouro Negro” (1950) e em  “Coke em Stock” (1958).

Há ainda um “vilão”, Dr. Müller em “A Ilha Negra” (1938), por muitos identificado como uma alusão a Adolfo Simões Müller, director d’”O Papagaio”.

Em "Tintin no Congo" aparece, numa cena esporádica, um anónimo jornalista português do "Diário de Lisboa. Há ainda um professor de Coimbra, noutro album de TinTin.

Houve também outras adaptações, como “TinTin no Congo”, que se intitulou “TinTin em Angola”, redesenhando-se mesmo algumas vinhetas para tornar este título mais verosímil, como na cena da aula dada por TinTin a crianças negras, onde o mapa da Bélgica, no quadro,  foi substituído pelo mapa de Portugal. Mais tarde o próprio Hergé redesenhou este quadradinho, retirando-lhe a conotação colonialista da primeira edição.



Hergé enviou uma carta, datada de 12 de Maio de 1936,  ao padre Abel Varzim, congratulando-se com a edição portuguesa da sua obra, elogiando, nomeadamente, a novidade da colorização das aventuras de TinTin, mas também fazendo algumas críticas à paginação que, quanto a ele, retirava algum suspense às aventuras.

Quando a Bélgica foi ocupada pelas tropas nazis, em Maio de 1944, tornou-se complicado transferir dinheiro de Portugal para pagar a Hergé, pelo que este propôs o pagamento dos direitos em géneros, como sardinhas em conserva, chá, café, cacau, azeite, chocolate, leite condensado, arroz e bolachas. Hergé pediu igualmente para incluírem dois avios mensais em géneros para o irmão Paul, prisioneiro de guerra na Alemanha.

Durante 12 anos “O Papagaio”, que se editou entre 18 de Abril de 1935 e 10 de Fevereiro de 1949, num total de 722 número,  publicou um total de 9 aventuras de TinTin:

- “Tim-Tim na América do Norte” –nºs 53-110, de 16/04/1936 a 20/05/1937;

- “Aventuras de Tim-Tim no Oriente” (“Os Charutos do Faraó” no original) –nºs 115-161, de 24/06/1937 a 12/05/1938;

- “Novas Aventuras de Tim-Tim” (“O Lótus Azul” no original) – nºs 166-205, de 16/06/1938 a 16/03/1939;

- “Tim-Tim em Angola” (“TinTin no Congo” no original) – nºs 209- 244, de 13/04/1939 a 14/12/1939;

- “Tim-Tim e o mistério da Orelha Quebrada” – nºs 247-298, de 04/01/1940 a 26/12/1940;

- “Tim-Tim na Ilha Negra” ( “TinTin no País do Ouro Negro”, no original)- nºs 301-359, de 16/01/1941 a 26/02/1942;

- “Tim-Tim no Deserto” (“O Caranguejo das Tenazes de Ouro” no original) – nºs366-226, 16/04/1942 a 10/06/1943;

- “A Estrela Misteriosa”- nºs 435-540,de12/08/1943 a 16/08/1945;

- “O Segredo do Licorne” – nºs 617-679, de 06/02/1947 a 15/04/1948.






Esta foi a primeira vez em que TinTin foi publicado numa língua que não o francês. Até aí, as suas aventuras apenas tinham sido editadas na Bélgica, em França e na zona francófona da Suíça.

Em 1941 Adolfo Simões Müller abandonaou “O Papagaio”, por divergências com Abel Varzim, e fundaou uma nova revista juvenil, “O Diabrete” (4 de Janeiro de 1941- 29 de Dezembro de 1958). Müller chegaou a escrever a Hergé para conseguir ficar com os direitos de publicação de TinTin na nova revista, mas não o conseguiu, pelo que essa série continuou a ser publicada n’”O Papagaio”.

Contudo, conseguiu adquirir os direitos de uma outra série, até aí nunca publicada em Portugal, que nasceu depois do TinTin também na revista “Le Petit Vingtiéme”, a série humorística Quick e Flupck, que será publicada no “Diabrete” entre 5 de Janeiro de 1941 e 10 de Outubro de 1943, com a designação de “Tropelias do Trovão e do Relâmpago”. 

Entretanto, com o fim d’”O Papagaio” em 1949, Simões Müller conseguiu adquirir os direitos de TinTin, publicando três aventuras no “Diabrete”, a primeira “O Ceptro de Ottokar”, com a designação de “Aventuras de Tim-tim e Rom-Rom”, entre 9 de Março de 1949 e 18 de Março de 1950, seguindo-se mais duas aventuras, “O Tesouro de Rackham, o Vermelho”, aportuguesado para “O Tesoiro do Cavaleiro da Rosa”, entre 25 de Março de 1950 e 21 de Março de 1951, e “As 7 Bolas de Cristal”, entre 4 de Abril de  e 29 de Dezembro de 1951, ficando a publicação desta aventura incompleta, devido ao facto de o “Diabrete” ter interrompido a sua publicação nesta data, ao fim de  553 edições.




Até ao início da década de 1960, Adolfo Simões Müller manteve os direitos da edição do Tintin em revistas portuguesas por si editadas, como aconteceu com o “Cavaleiro Andante” (1952-1962), o “Foguetão” (1961) e o “Zorro” (1962-1966).


A mítica revista “Cavaleiro Andante” publicou muitas das séries da revista belga “Tintin”, devendo-se a ela a divulgação da maior parte dos autores da escola franco-belga em Portugal, tendo mesmo usado as capas da revista belga, adaptadas ao título do “Cavaleiro Andante”.

O “Templo do Sol” foi a primeira aventura de “TinTin” publicada nesta revista, primeiro no corpo da própria revista, a partir do seu primeiro número, em 5 de Janeiro de 1952, e depois continuando a sua publicação no suplemento “Pajem”, entre 5 d Julho de 1952 e 22 de Agosto de 1953.

Ao todo foram publicadas 7 aventuras do TinTin no “Cavaleiro Andante”, algumas pela primeira vez em Portugal, como “Tintin na Lua”, publicando, com o mesmo título, e sem interrupção, as duas aventuras, “Objectivo Lua e “TinTin na Lua”, ao longo de 2 anos, entre 17 de Outubro de 1953 e 31 de Dezembro de 1955, “O Caso Tornesol”, sob o Título de “O Caso da Arma Secreta”, e o “Carvão no Porão (Cocke em Stock)” com o título “Os mercadores de ébano”. Foi republicado o “TinTin na América” e “O Lótus azul”, anteriormente publicados em “O Papagaio”, mas agora na nova versão, actulizada por Hergé.

A última aventura publicada foi “Tim-Tim no Tibete”, entre 18 de Novembro de 1961 e 4 de Agosto de 1962, aventura que tinha começado a ser publicada no “Foguetão” entre Maio e Julho de 1961, mas que ficou incompleta devido à curta vida desta revista.

A última aventura de TinTin publicada em Portugal sob a orientação de Simões Müller foi “As Joias de Catafiore “, sob o título “As Jóias da Prima Dona”, na revista “Zorro”, entre 6 de Abril de 1963 e 6 de Junho de 1964, única aventura dessa série publicada nessa revista.




Foi no “Zorro” que foram publicadas, pela primeira vez em Portugal, as aventuras de outra série de Hergé, “Jo, Zette e Jocko”, em “O “Manitoba” Não Responde” e “A Erupção de Karamako”, entre 20 de Junho de de 1964 e 23 de Junho de 1966. Estas duas aventuras voltariam a ser editadas em Portugal no suplemento “Quadradinhos” do jornal “A Capital”, em 1972 e 1973, conhecendo ainda uma edição em álbum, das cinco aventuras desta série,  pela Verbo, sob a designação de “Aventuras de Joana, João e do Macaco Simão”, na década de 1980.


Foi com o aparecimento da revista “TinTin” que tivemos, em Portugal, a publicação integral de todas as aventuras do herói criado por Hergé, entre o 1º número, editado em 1 de Junho de 1968, e o último, em 2 de Outubro de 1982. A única aventura não editada na totalidade, devido ao encerramento da edição da revista, foi a reprodução, pela primeira vez em Portugal, da primeira aventura de Tintin, “TinTin no país dos sovietes”, só editada, de forma completa, em álbum, em meados da década de 1980.

TinTin foi ainda publicado em tiras diárias no jornal “Diário de Notícias” e no suplemento “Nau Catrineta”, na década de 1970.

Em 16 de Março de 1960 Simões Müller tinha escrito a Hergé, para conseguir os direitos de autor para editar os primeiros álbuns de Tintin em Portugal.

Hergé responde-lhe,  em 22 de Março, lamentando que tal não seria possível, já que esses direitos tinham sido adquiridos por uma editora brasileira, a Flamboyant, que tinha adquirido igualmente os direitos de os vender, traduzidos no português do Brasil, em território português.

Assim, a edição das aventuras de TinTin em álbum, em português, foram da responsabilidade, até 1988, daquela editora rasileira, que editou o primeiro álbum do Tintin em língua portuguesa em 1961, “A Estrela Misteriosa”.

Só a partir de 1988 é que a editora Verbo conseguiu os direitos para Portugal, editando os álbuns da série até 1999.

Actualmente os direitos da série pertencem à editora Asa.

Albuns editados em Portugal:

Para as gerações portuguesas mais novas, o único contaco com TinTin talvez tenha sido através do filme de Spileberg de 2011, intitulado “As Aventuras de TinTin”, mas que se baseia no álbum “O Caranguejo das Tenazes de Ouro”, história publicada pela primeira vez em 1941.

Hergé nunca veio a Portugal. Apenas por duas vezes foi entrevistado por um jornalista português, Luiz Beira, a primeira das quais publicada na revista “Plateia” nº 306 de 13 de Dezembro de 1966, a segunda em Novembro de 1982, uma das últimas concedidas por Hergé, já que faleceu em 3 de Março de 1983.

Esta segunda entrevista manteve-se, contudo, inédita até 1985, sendo finalmente publicada na 5ª série da revista “O Mosquito”, no nº6 de Março de 1985.

Nesta última entrevista, Hergé lamentava-se por nunca ter visitado Portugal, um “belo país” que o atraia, prometendo fazê-lo um “dia, quem sabe?”, bem como pondo igualmente a hipótese de “um dia talvez, quem sabe?”, situar uma aventura de Tintin em Portugal. Infelizmente a morte prematura de Hergé impediu-o de concretizar esses desejos.

(Fonte Principal para este capítulo:


(Continua)