É no mencionado “Le Petit Vingtiéme” que Hergé inicia a publicação das aventuras de TinTin, um “repórter” desse jornal enviado ao “país dos Soviéticos”. TinTin “parte” para a sua primeira aventura na edição de 10 de Janeiro de 1929.
A figura de TinTin teve origem no escuteiro Totor, que ele tinha criado para a revista de escuteiros onde se iniciou como ilustrador, com a diferença de agora usar "balões" para a fala dos personagens, em vez do tradicional texto que se publicava de baixo de cada vinheta.
O nome de TinTin parece ter tido origem e ser uma homenagem a uma das bandas desenhadas preferidas da infância de Hergé, TinTin Lupin, da autoria de Benjamin Rabier, personagem criada no final do século XIX.A aventura “TinTin no País dos Soviéticos” é publicada a preto e branco, como vai acontecer, aliás, com as 5 primeiras aventuras desse “herói”, com a excepção, já referida, da edição portuguesa.
Esta aventura foi sendo desenhada por Hergé ,sem um plano prévio, sem uma previsão quanto à forma como ía terminar, muitas vezes quase desenhada em cima do joelho e no limite do prazo de entrega para poder ser publicada. Finalmente, em 8 de Maio de 1930, era editada a última prancha dessa primeira aventura, que só conheceria outra edição nas páginas da revista francesa Coeurs vaillants, neste mesmo ano.Só então Hergé se deu conta do
êxito dessa aventura, tendo encenado o regresso da Rússia do herói imaginário,
com figuras reais, à estação central de Bruxelas.
Esta primeira aventura será também uma das mais
controversas, baseada numa obra de propaganda anti-comunista, “Moscou sans
Voiles” (Moscovo sem véus), escrita pelo ex-cônsul belga na Rússia, Joseph
Douillet, editado em 1928, best-seller na Bélgica desse tempo.
Hergé, muito jovem ainda, foi também influenciado pelo espírito conservador do
próprio jornal e do seu director, o padre
Wallz, admirador do fascismo italiano, mais tarde preso por colaboracionismo
com os ocupantes nazis.
Quando, mais tarde, Hergé resolveu redesenhar os seus
primeiros álbuns, recusou-se a fazê-lo com essa primeira obra, que o próprio
renegou e impediu que tivesse sido reeditado, até quase ao ano da sua morte, em
1983.
O que é um facto é que essa primeira aventura, se foi muito influenciada pela propaganda anticomunista da época e exagerou na caricatura dos bolcheviques, acabaria por se tornar premonitório em relação ao rumo totalitário que a revolução soviética tomou na década de 1930, sob a terror stalinista.
Fosse como fosse, nessa primeira aventura já se encontravam
alguns dos traços que caracterizaram as aventuras de TinTin, como o suspense no
final de cada prancha, recorrendo à técnica que Hergé foi buscar ao cinema de Hitchcock, a
simplicidade das linhas, na origem da chamada “linha clara”, e a utilização do
balão para as falas dos personagens, em vez da forma tradicional de usar a
imagem como simples ilustração de um texto.
O termo “linha clara” para classificar o estilo de Hergé e
de outros autores da escola franco-belga teve origem no termo holandês Klare
Lijn aplicado pelo desenhador gráfico Joost Swarte, na exposição dedicada a
TinTin “Kuifje in Rotterdam”, realizada nesta cidade entre 5 de Fevereiro e 14
de Março de 1977.
Sobre a famosa “linha clara”, para Edgar Pierre Jacobs, esse
estilo não passou de um mito, já que foi imposto por razões técnicas, pois
alguns pormenores e cores não passavam no tipo de impressão usado nos anos
30/40 do século XX, sendo necessário simplificar o desenho e torna-lo o mais
eficaz e legível possível.
Benoît Peeters, biografo de Hergé, afirma que este
“introduziu uma revolução discreta na banda desenhada europeia” ao tratar de
temas adultos e falando do mundo contemporâneo num jornal infantil.
A segunda aventura da série foi igualmente controversa,
“Tintin no Congo”, muito marcado pelo espírito colonialista, num país, como a
Bélgica, que tinha no Congo a sua principal colónia africana. Hergé tinha
desejado escrever, como segunda aventura, uma aventura na América, mas a
direcção do jornal pressionou o autor a escolher uma aventura passada nessa
colónia belga, para reforçar a propaganda colonialista que estava no espírito
desse órgão de comunicação.
Hergé niciou a publicação dessa aventura em 9 de Julho de
1931, sem, segundo as suas palavras, nada saber desse país, “a não ser o que se
dizia na época: Os negros são crianças
crescidas, Ainda bem que nós lá estamos, e outras coisas do género”,
desenhando “esses africanos segundo tal bitola, no mais puro espírito
paternalista, que era aquela que então se vivia na Bélgica” (entrevista com
Numa Sadoul).
Contrariado e sem entusiasmo Hergé começou a editar essa
segunda aventura em 9 de Julho de 1931.
Mais tarde Hergé, mais maduro e mais politizado,
desculpando-se com a juventude e o espírito do tempo, reviu toda aventura em
1946, retirando-lhe as suas características mais colonialistas, revendo
diálogos e algumas cenas.
Nessa aventura, TinTin conhece o primeiro de uma galeria de
personagens infantis, o negrito Coco, companheiros das aventuras do célebre
“repórter”.
Em 1932 consegue, finalmente, iniciar a aventura que tanto
desejava desenhar, “TinTin na América”. Esta aventura seria totalmente
redesenhada em 1946. Esta aventura reflecte muito da influência do cinema
norte-americano, cruzando os ambientes do “Cinema negro” e do Western. O filme
critica muito do ambiente social norte-americano, denunciando principalmente o
racismo e o tratamento dado aos índios.
“Os Cigarros do Faraó” vai ser a quarta aventura de TinTin, que conhece uma nova dimensão, a do mistério e do fantástico, num ambiente e em cenários mais elaborados que nas histórias anteriores.
Será totalmente redesenhada em 1955. Nesta aventura, passada em vários países do Oriente, surgem vários personagens que vão marcar a série, ao longo do tempo, como o vilão Rastapopoulos ou o comerciante português Oliveira da Figueira ou os famosos policias Dupond e Dupont, designados, originalmente, como os agentes X33 e X33bis.
Até ao “Lótus Azul”, de 1934 , continuação da aventura anterior, a evolução das aventuras ia-se desenrolando de forma espontânea, sem um plano pré concebido.Foi o próprio Hergé que afirmou que, até o “Lótus Azul”, as
aventuras de TinTin “eram uma série de peripécias cómicas e emotivas (…) sem
argumento nem plno de trabalho. (…) Le Petit Vingtième saía às quartas feiras à
noite e por vezes acontecia-me não saber na véspera como é que eu libertaria
TinTin da má situação da qual eu o tinha abandonado durante a semana
anterior”(entrevista a Numa Sadoul).
Foi só a partir desta aventura que Hergé iniciou a forma de
trabalhar que seguiria daí para frente, documentando-se com rigor, planeando o
desenrolar da acção e usando a tinta da china.
Tendo sido anunciado no jornal que a próxima aventura se
passaria na China, nessa carta este padre,
criticando a falta de rigor que tinha detectado nas aventuras anteriores
de TinTin, ofereceu-se para o ajudar na busca documental, e a evitar os clichés
sobre a China. Professor da Universidade de Lovaina, onde orientava estudantes
chineses, recomendou um jovem chinês, Tchang Tchong-Yen, para o ajudar a
documentar-se e a conhecer a realidade chinesa.
Nascido em Xangai, Tchang
era um estudante de pintura e escultura, e entre ele e Hergé, ambos
nascidos no mesmo ano de 1907, estabeleceu-se uma sólida amizade.
O jovem Tchang colaborou activamente com Hergé na recolha de
documentação sobre a China, ao mesmo tempo que o esclarece sobre a cultura
desse país.
Também o introduz na técnica do uso da tinta-da-china, que
permitiu a Hergé tratar as cenas nocturnas como sombras chinesas.
Como homenagem a essa colaboração, Hergé dá o nome desse
novo amigo a um dos personagens dessa nova aventura. Tchang, o personagem de
BD, voltará a reaparecer no “TinTin no Tibet”.
No final dos anos de 1930, Tchang, o verdadeiro, regressa à
China, onde se torna um escultor famoso, aderindo à Revolução Chinesa do pós
guerra, mas acabando vítima da Revolução cultural dos anos de 1960.
A Guerra europeia e a situação política na China do pós
Guerra leva Hergé a perder o rasto de Tchang,
não desistindo, contudo, de o procurar.
Em 1976 consegue, finalmente, localizá-lo, e inicia uma
troca de correspondência com o seu amigo da juventude, enviando-lhe exemplares
dos álbuns “O Lótus Azul” e “Tintin no Tibet”, onde Tchang aparecia como
personagens. Finalmente, em Março de 1981, os dois amigos, já septagenários,
reencontram-se em Bruxelas.
O reencontro será de pouca duração, porque Hergé morre dois
anos depois. Tchang estabelece-se em França e, ainda antes de falecer em 1998,
homenageia o seu amigo, esculpindo o busto de Hergé.
A partir de “O Lótus Azul”, as aventuras seguintes de
TinTin, “A Orelha Quebrada” (1937), “A Ilha Negra” (1938), e “O Ceptro
d’Ottokar” (1939) vão caracterizar-se por um rigor narrativo e um grafismo mais
cuidado.
Foi também a partir daquela aventura que Hergé, segundo as
suas próprias palavras, se começou a interessar “verdadeiramente pelas pessoas
e pelos países aos quais” enviava Tintin.
Além de mudar de método, Hergé beneficiou também de se distanciar
da influência ideológica do padre Wallz, afastado do “Vigtiéme Siécle” em 1933,
devido às suas simpatias nazi-fascistas.
Se em o “Lótus Azul” Hergé alerta para o perigo do
expansionismo do Império Japonês e denuncia os estereótipos em relação ao mundo
asiático, em “O Ceptro de Ottokar”, cuja primeira prancha foi publicada em 4 de
Agosto de 1938, com o título de "TinTin na Sildávia, denuncia, de forma metafórica, o crescente perigo do
expansionismo nazi, chegando mesmo a apelidar um dos vilões dessa aventura e
“Müsstler”, combinação dos nomes de Mussolini e Hitler.
Recorde-se que, em 12 de Março desse ano tinha acontecido o
“Anschluss”, a anexação da Áustria pela Alemanha nazi.
A última prancha de “O Ceptro de Ottokar” foi publicada no “Le
Petit Vingtiéme” em 10 de Agosto de 1939, menos de um mês antes do início da
Segunda Guerra Mundial, em 1 de Setembro de 1939.
Quando em 9 de Maio de 1940 a Bélgica é ocupada pelos nazis,
estes encerram o “Vigtiéme Siécle”, apesar deste jornal ser conservador e
simpatizante do fascismo, e a publicação daquela aventura é interrompida.
Essa situação leva à interrupção da publicação dessa
aventura de TinTin, que só será retomada e concluída em 1948, sendo modificado
o início da história, assim como a fisionomia dos personagens.
No momento da invasão, e desde 10 de Abril, Hergé
encontrava-se em território francês, acompanhado da sua primeira esposa e do
seu gato, aguardando em Paris o desenrolar da situação no seu pais.
Regressado à Bélgica, Hergé encontra-se desemprego, recusando
um lugar no jornal oficial do movimento rexista, o movimento nazi-fascista
belga, mas, para sobreviver, aceita continuar a publicar as aventuras de TinTin
no jornal Le Soir, agora totalmente controlado pelos ocupantes nazis.
Hergé cria um suplemento juvenil nesse diário, “Le Soir
Junesse”, editado pela primeira vez em 17 de Outubro de 1940, onde reaparecem
as aventuras de TinTin, a aventura “O Caranguejo das Tenazes de Ouro”. Quando
esse suplemento encerra, em 23 de Setembro de 1941, devido às dificuldades em
obter papel para edição, essa aventura continua a ser publicadas, mas agora em
pequenas “tiras” diária na edição
principal desse jornal.
Irá publicar ainda, nessa época, outras três aventuras de
TinTin, “As Sete Bolas de Cristal”, “O Segredo do Licorne” e a continuação
desta aventura, “O Tesouro de Rackan o Vermelho”. Ao contrário das aventuras
editadas antes da ocupação, estas histórias não abordam acontecimentos reais,
praticando uma “literatura de pura evasão”, única forma de escapar à censura
nazi, até porque duas aventuras anteriores a esse período foram proibidas de
circular pelo ocupante nazi, “A Ilha Negra”, acusada pela censura nazi de
anglófila, por causa das referências à escócia, e “TinTin na América”, por se
passar noutro país inimigo, os Estados Unidos. Curiosamente, “O Ceptro
d’Ottokar”, por muitos considerada uma história anti-fascista, escapa à
censura.
Não podendo explorar a realidade que o rodeava, Hergé vai
acabar por enriquecer o mundo interior das aventuras de TinTin, surgindo neste
período uma galeria de personagens que vão enriquecer a série, do ponto de
vista narrativo, psicológico e dramático.
O capitão Haddock surge pela primeira vez em “O Caranguejo
das Tenazes de Ouro”, Nestor e o castelo de Moulinsart em “O Segredo do
Licorne”, o professor Tournesol em “O Tesouro de Rackan o Vermelho” e Serafim
Lampião nas “Sete Bolas de Cristal”.
Quando a Bélgica é libertada pelos aliados, em 3 de Setembro
de 1944, todos os responsáveis e colaboradores do Le Soir são acusados de
colaboracionismo. A publicação de “As Sete Bolas de Cristal” nesse jornal é
interrompida nessa data. Hergé é preso por quatro vezes e atravessa um período
difícil. Só em Maio de 1946 é que Hergé consegue obter da forças aliadas um
“certificado de civismo”, pois nunca se descobriu qualquer atitude de Hergé, ou
no conteúdo das aventuras de Tintin publicadas durante a ocupação nazi, que
revelasse simpatia ou colaboração com os ocupantes.
Recorde-se, aliás, que Hergé tinha publicado, nos anos 1930
desenhos antimilitaristas anti-Hitler,
situação evidente num gag da série Quick e Flupke de 1933, ridicularizando os
discursos radiofónicos de Hitler e Mussolini, ou num personagem com uma vida
efémera de 4 gags, Monsieur Bellum, publicado em 1939 no semanário belga
neutralista “L’Ouest”, onde o personagem, na sequência de um desses gags
escreve numa parede “Hitler est un fou!”, sem esquecer o acima referido“O
Ceptro de Ottokar”, publicado também neste ano.
Como já referimos, até 1942 as aventuras de TinTin foram
editadas a preto e branco. A primeira aventura passada a cores foi “A Estrela
Misteriosa”, para o álbum editado em 1942.
A introdução da cor nas aventuras de TinTin ficaram a
dever-se à insistência de Louis Casterman junto de Hergé para que a edição em
álbum dessa série fosse a cores, para rentabilizar o uso de uma máquina de
offset que esse editor tinha adquirido.
Inicialmente Hergé mostrou-se renitente em colorir a sua
série, considerando que a introdução da cor retirava nitidez ao seu desenho,
para além de não dominar as técnicas de colorir. Por outro lado, aquele editor
também queria que Hergé, para a edição em álbum de TinTin, redesenhasse as
aventuras deste personagem para caberem nas 62 páginas de um álbum, limite
imposto pela falta de papel durante a guerra, e que se tornou norma. Hergé
ficou ainda preocupado com o aumento de trabalho que isso ia provocar.
Para o convencer, Casterman encorajou Hergé a rodear-se de
colaboradores. Este então lembra-se de um personagem que lhe tinha sido
apresentado em 1942 por Jacques Van Melkebeke, um amigo comum, um tal Edgar
Pierre Jacobs, cujo trabalho na revista Bravo, principalmente as suas
qualidades de colorista reveladas na aventura aí publicada, Le Rayon U, muito tinham
impressionado Hergé.
Meses depois daquele primeiro encontro, ambos iniciam a
colaboração para colorir, primeiro “TinTin no Congo”, depois o “Lótus Azul”, “O
tesouro de Rackan o Vermelho” e “O Ceptro de Ottokar”. Jacobs, para este último
álbum, ajuda Hergé a redesenhar cenários e uniformes.
Aliás, o próprio Jacobs acabou, anos mais tarde, caricaturado, dentro de um sarcófago na capa
de “Os Cigarros do Faraó”, editada em 1955.
Perante o êxito dessa colaboração, Hergé convidou Jacobs
para o ajudar a documentar-se para duas aventuras, o complemento da
interrompida “As 7 bolas de cristal” e a nova “O templo do Sol”. Jacobs foi
mesmo fundamental na elaboração dos cenários dessas aventuras.
Por essa altura, logo após a libertação, chegaram a ponderar realizar três histórias
diferentes em conjunto, assinando com um pseudónimo comum: OLAV:
Uma das séries era ao estilo Western, outra policial e a
terceira passar-se-ia no Pólo Norte.
Chegaram a elabora três pranchas, uma para cada série, mas entregaram-no
a um negociante de Bruxelas que desapareceu com elas, ficando essa idéia sem
efeito.
Foi assim, de forma natural, que Hergé convidou Jacobs a
fazer parte da equipa fundadora da revista “TinTin”, lançada em 1946 ( e que se
publicou até 1988, conhecendo versões em vários países, como em França, cuja
edição se iniciou em 28 de Outubro de 1948, na Holanda, onde TinTin foi
deignado como Kuifje, e, a partir de 1968, em Portugal) .
O projecto da revista ficou
a dever-se a Raymond Leblanc, que combateu na resistência contra a
ocupação nazi, e, durante os 2 primeiros anos, as suas páginas foram
partilhadas por 4 autores, para além de Hergé e Jacobs, por Paul Cuvelier e Jacques
Laudy.
A edição belga original da revista TinTin publicou o seu
último número em 29 de Novembro de 1988, devido ao facto de a Fundação Hergé
ter retirado à editora Lombard o direito de publicar um jornal com o título de
TinTin.
Jacobs trabalhava durante metade do dia para Hergé e, na
outra metade, na primeira aventura de Blake e Mortimer, publicada também logo
no primeiro número desse semanário, “O Segredo do Espadão”.
Jacobs acabou por desistir da colaboração com Hergé, em
1947, devido ao excesso de trabalho, mas também, ao que parece, por algumas
divergências pessoais, pois Jacobs terá exigido que o seu nome também constasse
na autoria das aventuras de TinTin, onde a sua colaboração como cenarista e
colorista foi fundamental para o êxito da série, até porque Hergé passou a
exigir que Jacobs passasse a dedicar-se a 100% a TinTin….ma mantendo Hergé como
único autor.
Apesar das divergências, a amizade entre os dois autores
manteve-se sempre forte até à morte de Hergé em 1983 (Jacobs só lhe sobreviveu
4 anos, falecendo em 1987).
Para colmatar o afastamento de Jacobs, Hergé fundou, em
1950, os “Studios Hergé”, reunindo à sua volta vários jovens e talentosos
colaboradores, tais como Bob de Moor, Jacques Martin, Roger Leloup e Boudouin
van den Braden, entre muitos outros.
O primeiro trabalho, sob orientação directa de Hergé, foi
retomar e completar a aventura “O País do Ouro Negro”, interrompida quando do
encerramento do Le Vigtiéme Siécle em 1940.
Seguiu-se um dos seus projectos mais ambiciosos da série,
“Objectivo Lua” e “Em Marcha sobre a Lua”. Seguiram-se “O Caso Tournesol” e
“Carvão no Porão”.
Uma outra componente dos Estúdios foi recupere alguns
projectos anteriores à guerra, como colorir as histórias mais antigas que ainda
não tinham passado por essa transformação, bem como colorir e rever “As
Aventuras de Jo, Zette et Jocko” e “As Explorações de Quick e Flupke”,
modernizando também alguns detalhes decorativos dessas histórias antigas.
O terceiro tipo de actividades desse estúdio foi dar
continuidade à colecção de cromos “Voir et savoir”, elaboração de calendários e
folhetos publicitários, usando personagens da série.
A consagração da série atinge o auge nos anos 1950, com
traduções das aventuras de TinTin para quase todo o mundo, com tiragens gigantescas
dos álbuns, aparecendo também nessa década, em 1959, o primeiro livro
consagrado a um autor de Banda Desenhada, “Le Monde de TinTin”, da autoria de
Pol Vandromme.
Contudo, o êxito mundial da série coincide com um período de
depressão, esgotamento e crise pessoal vivido por Hergé, iniciado em 1958.
Essa situação leva-o a acabar, com grande dificuldade, a elaboração do álbum “TinTin no Tibet”.
Ultrapassada a crise, com recurso à psicanálise, Hergé edita
aquela que é considerada por muitos a sua obra prima, “As Jóias de Castafiore”,
aventura publicada em 1963, onde um grupo de ciganos acampados junto a Moulinsart
dá oportunidade a Hergé de criticar os preconceitos racistas em relação a essa
etnia.
Nos anos de 1960, a série conhece um novo impulso, com a
realização de filmes, com personagens reis, baseados na série, o primeiro dos
quais foi “O Mistério do Tosão de Ouro”, em 1961, de dois filmes de animação de
longa metragem, entre estes a adaptação de “TinTin e o Templo do Sol”,
realizado em 1969, e de uma série de cinema de animação para a televisão, saída
dos Estúdios Hergé.
O ritmo de trabalho de Hergé ao longo doa anos 60 torna-se
mais lento. Depois de “As joias de Castafiore”, será preciso esperar cinco anos
por uma nova aventura de TinTin, “Voo 714 para Sidney”, editado em 1968.
Em 1972 os estúdios Belvision de Bruxelas estreiam um filme
de animação, “Tintin e o Lago dos Tubarões” realizado por Raymond Leblanc, com
argumento de Michel Greg e a colaboração de Hergé.
Ao contrário de outros projectos cinematográficos de
aventuras de TinTin, que partiam das aventuras já editadas por Hergé, neste
caso aconteceu o contrário, publicando-se um álbum que é a cópia da animação,
onde Hergé teve um papel secundário na elaboração, tanto do argumento como dos
desenhos.
Desta vez será necessário esperar 8 anos por uma nova aventura de Tintin, a última
completada por Hergé, “TinTin e os Picaros”, editada em 1976.
Em 1979, o cinquentenário de Tintin realiza-se com grande fausto e cerimonial em Paris e em Bruxelas, com uma grande exposição que percorrerá a Europa, “O Museu Imaginário de TinTin”.
Durante o principio da década de 1980 as aparições públicas
de Hergé tornam-se cada vez mais raras. Por essa altura, o autor anuncia que
está a desenhar uma nova aventura que se passará no meio das artes plásticas,
ao mesmo tempo que prepara um gigantesco fresco para uma estação de metro em
Bruxelas.
Sabe-se, entretanto, que Hergé sofre de leucemia e, em 25 de
Fevereiro de 1983, na sequência de uma falência cardíaca, é hospitalizado,
acabando por falecer no dia 3 de Março, pelas 22 horas. Tinha 75 anos.
O seu 24º álbum, “TinTin et L’Alph’Art”, passado no âmbito
do mundo da arte, ficou assim inacabado.
Tendo-se voltado a casar, com o inglês Nick Rodwell, dono da
Loja TinTin em Londres, Fanny fundou com o seu actual marido a Moulinsart ,
sociedade detentora de todos os direitos da obra de Hergé.
Sabe-se, entretanto, que até 2054, será editada uma nova
aventura de Tintin, com o objectivo de evitar que a série e os seus direitos de
autor caiam no domínio público, o que acontecerá nesse ano.
As gerações mais novas, que já não viveram as aventuras de
TinTin nas revistas entretanto desaparecidas, terão tido um primeiro contacto
com a série no filme de Spielberg 2011.
Hergé e a “sua” “linha clara” fizeram escola entre muitos
outros autores de BD, como os holandeses Joost Swarte e Theo van den Boogard,
os franceses De Floch, Ted Benöir e Serge Clerc e Tardi ou o belga Alain
Goffin, sem esquecer Yves Chaland que homenageia as suas influências na série
Freddy Lombard, reivindicando-se igualmente como seus “herdeiros” estéticos
autores norte-americanos como Charles Burns ou Chris Ware, sem esquecer os
muitos autores por ele influenciados que passaram pelos “estúdios Hergé” e pela
revista TinTin.
Interrogado sobre a morte e a reincarnação, Hergé respondeu
que gostaria de retornar à terra sob a forma de um gato siamês, “mas vivendo no
seio de uma boa família”.
Se virem um por aí, mostrem-lhe um álbum de Tintin e
peçam-lhe um autógrafo. No mundo de Hergé, nunca se sabe!!
(CONTINUA)
Bibliografia consultada e/ou recomendada (Toda ela existente no arquivo pessoal do autor do blog, entre muitas outras obras) :
- De Avonturen van Kuifje in Portugal (A Aventura de TinTin
em Portugal), “Sapperloot” nº 5 , 2004;
- BOLÉO, João P., “Hergé fascista ou aventureiro?”, in
revista do Expresso de 16 de Janeiro de 1999, pp.34 a 41;
- CALADO, Jorge, “Aventura de TinTin – Objectivo Portugal”,
in E –Revista do “Expresso”, 1 de Outubro de 2021, pp.20 a 28;
- CRATO, Nuno, “TinTin e a Ciência”, in “Única”, suplemento
do Expresso, 8 de Março de 2003, pp.68 a 72;
- GALLO, Claude le, “TinTin herói do século vinte”, tradução de Vasco Granja, publicada ao longo do 1º ano da edição da revista portuguesa TinTin, de um artigo publicado no nº 4 do 3º timestre de 1967 da revista “Phénix”;
- MARMELEIRA, José, “No Museu de Hergé”, in Ípsilon-Público,
de 1 de Outubro de 2021;
- MENDES, Pedro Boucherie, “TinTin, a Eurostar”, in
E-Revista do “Expresso”, pág.27, 1 de Outubro de 2021;
- LE Musée Imaginaire de TinTin, Sociéte des expositions du
Palais des Beaux-Arts de Bruxelles, 1979;
- PESSOA, Carlos, As Aventuras de TinTin no Público – Guia
de Leitura, ed. Público/Oficina do Livro,2004;
- PESSOA, Carlos, “Hergé – Morte e vida de um mito”, in
Público Magazine, nº 157 de 7 de Março de 1993, pp.14 a 25;
- PESSOA, Carlos “TinTin Partiu há 70 anos para o país dos
soviéticos”, in “Pública” (suplemento dominical do jornal Público),10 de
Janeiro de 1999, pp. 20 a 27
- PEETERS, Benoît, Hérge – Filho de TinTin, ed. Verbo 2003 (
a mais completa biografia de Hergé);
- “Porquoi on aime le capitaine Haddock?”, dossier da
revista Les Cahiers de La BD, nº 15, Julho/Setembro de 2021, pp.90 a 115;
- La Grande Aventure du Journal TinTin, ed. Lombard
- Le rire de Tintin – les secrets du génie comique d’Hergé,
nº especial L’Espress/BeauxArts magazine, 2014;
- La Saga du Journal TinTin, número especial da revista
Paris-Match, 2016;
- Special Hergé, Schtroumpf-Les Cahiers de La Bande
Dessinée, nº14/15, Setembro/Dezembro de 1971 (inclui uma longa e célebre
entrevista dada por Hergé a Numa Sadoul, publicada na revista portuguesa
“TinTin”, ao longo do 6º ano da sua edição, com tradução de Vasco Granja);
- Special Hegé – Vive TinTin, número especial da revista (A
Suivre) publicado por ocasião da morte de Hergé em Abril de 1983;
- TAVARES, João Miguel, “Hergé em formato familiar – As
“Aventuras de Joana, João e do Macaco Simão” são mais um tijolo no edifício da
linha clara erguido pelo mestre belga”, in Diário de Notícias, 30 de Julho de
2001;
- Tintin – C’est l’aventure, nº 9, Setembro/Novembro de
2021, ed. Geo
- TinTin – L’Aventure Continue, “hors série” da revista
Télérama, Janeiro de 2003;
- TinTin grand Voygeur du siècle, nº especial da revista
GEO, 2000;
- TinTin – survivra-t-il? , Haga – Revue de Bande Dessinee, nº16-17 , Inverno de 1974;
Sites: TinTinófilo; História da BD publicada em Portugal.
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