Depois de aqui termos publicado um conjunto de artigos sobre Hergé e Tintin, a propósito da exposição dedicada à obra desse autor que está a decorrer na Gulbenkian, aqui deixamos a transcrição da informação editada por essa importante instituição, publicada no seu site da internet, sobre esse evento, transcrição que será ilustrada com fotografias da nossa autoria, tiradas numa das visitas que efectuámos.
Recordamos que já só falta menos de um mês para o seu
encerramento.
“A primeira exposição em Portugal dedicada ao autor de Tintin apresenta tesouros do Museu Hergé e revela as diversas facetas do autor, da ilustração à banda desenhada, passando pela publicidade, imprensa ou desenho de moda e artes plásticas.
DATA
01 out 2021 – 10 jan 2022
seg, qua, qui, sáb, dom 10:00 – 18:00
sex 10:00 – 21:00
Encerra à Terça-feira
LOCAL
Edifício Sede – Galeria Principal
Av. de Berna, 45A, Lisboa
PREÇO Bilhete 5,00 €
Devido às restrições em vigor, a duração máxima da visita é
de 60 minutos.
Haverá um limite de visitantes por sala, o qual poderá
potenciar a formação de filas e obrigar a alguns períodos de espera.
Entrada gratuita para portadores de cartão de estudante:
sexta, das 18:00 às 21:00. Levantamento a partir das 18:00 sujeito à lotação da
sala.
“Esta é uma exposição dedicada a Georges Remi, o artista de múltiplos talentos conhecido por “Hergé”.
“Organizada em colaboração com o Museu Hergé de
Louvain-la-Neuve, a mostra reúne uma importante seleção de documentos, desenhos
originais e várias obras criadas pelo autor de Tintim, através da qual o
público terá a ocasião de decifrar a arte de um criador de génio que usa todos
os meios à sua disposição para realizar as suas composições, da ilustração à
banda desenhada, passando pela publicidade, imprensa ou desenho de moda e artes
plásticas.
“Inspirando-se em várias correntes artísticas da sua época –
da pop art ao abstrato, passando pelo minimalismo –, este artista autodidata
também se interessou por civilizações antigas e pelas chamadas artes
primitivas.
“O que torna a arte de Hergé única e a distingue da de
muitos outros autores de banda desenhada é a sua extraordinária capacidade de
representar a realidade por um lado, de uma forma inventiva, mas por outro, tão
familiar que o leitor pode facilmente projetar-se neste universo criado a
partir do zero. Com linhas simples de uma impressionante precisão, sob o
estandarte da inimitável “linha clara”, Hergé dá origem a personagens emblemáticas
que encarnam os grandes valores da sociedade.
“Esta exposição é uma oportunidade única para os visitantes
descobrirem alguns dos tesouros dos Museu Hergé: pranchas originais, pinturas,
fotografias e documentos de arquivo.
“Será também a ocasião para revelar uma faceta do artista
menos conhecida: a sua brilhante carreira como designer gráfico publicitário,
revelada pelos seus cartazes altamente criativos.
“Surpreenda-se com as diversas facetas de uma personalidade
artística de referência do século XX!
PROGRAMA:
[ultima iniciativas a realizar]
Espécie de catacrese!
Por Patrícia Portela e José Pedro Serra
Segunda, 10 de janeiro, 18:00 / Auditório 3
Castafiore
Performance de Catarina Molder
Sábado, 08 de janeiro, 18:00 / Auditório 2
NÚCLEOS
“Grandeza da arte menor
“A pouca importância atribuída à banda desenhada afetava
Hergé, cuja obra, internacionalmente consagrada, suscitava entusiasmo, mas
tardava em ser reconhecida como uma verdadeira arte. Esta exposição celebra
hoje o grande artista que ele foi, sob a forma de um regresso às origens, e
propõe ao visitante explorar certos aspetos menos conhecidos da sua
personalidade, começando pelas suas incursões na pintura no início dos anos
1960 e pelo fascínio que, naquela época, ele tinha pela arte do seu tempo, a
mais moderna.
“Hergé, o amante de arte
“Muito antes do seu encontro pessoal com a arte moderna,
Hergé está já familiarizado com as correntes artísticas de diversas origens e
épocas. Logo nos primeiros anos da sua atividade profissional no jornal Le
Vingtième Siècle, o jovem entra em contacto com artigos dedicados às pinturas e
esculturas realizadas pelos seus contemporâneos, mas que fazem também referência
às correntes artísticas do passado, próximo ou distante.
“Essas reportagens abordam assuntos tão diversificados como
a arte pré-colombiana, Van Gogh, Tutankhamon, Brueghel, Utrillo, Dürer, Goya,
Monet, etc. Outras ainda dão a conhecer aos leitores museus como o do
Cinquantenaire, o Museu das Belas-Artes de Tournai, as exposições nas galerias
belgas…
“Com o aparecimento de As Aventuras de Tintin e através das
suas redes de amigos e de conhecidos, Hergé vai pouco a pouco reunir uma
reserva de imagens documentais que lhe permitirão integrar nas suas vinhetas
referências a diversas correntes artísticas. Com a sua iniciação à arte moderna
nos anos 1960, Hergé descobre então o prazer da coleção privada e rodeia-se de
diversas obras, verdadeiras paixões, que serão colocadas nas paredes da sua
casa, mas também nas dos Studios Hergé.
“O romancista da imagem
“Em várias entrevistas, Hergé explica que sempre gostou de
contar histórias e, ao mesmo tempo, de as acompanhar com desenhos ilustrativos.
“Inspirando-se no cinema mudo, no cinema a preto-e-branco,
no expressionismo alemão, mas influenciado também pelas suas leituras de
criança e adolescente, Hergé desde cedo desenvolve um conhecimento bastante
consequente da arte da découpage, da construção da história e da representação.
Criar uma atmosfera, um cenário, um ambiente, construir uma narrativa, uma
intriga, criar uma galeria de personagens, eis em poucas palavras os atributos
de um autor-desenhador que estará em constante evolução ao longo da sua
carreira profissional.
“Apropriando-se de uma série de métodos caraterísticos do
romance, mas também de alguns “truques” próprios da linguagem cinematográfica,
Hergé transfigura-os para criar uma obra original, uma mistura harmoniosa de
palavras e imagens que fazem dele um grande autor.
“A elipse, o running gag, o MacGuffin, o jogo de palavras, a
alternância de situações trágicas e cómicas, o humor, a dimensão psicológica
dos personagens… são inúmeros os exemplos que conferem a Hergé o estatuto de
autor de exceção.
“O êxito e a tormenta
“1940. As tropas alemãs ocupam a Bélgica. O jornal Le
Vingtième Siècle desaparece e, com ele, Le Petit Vingtième. Hergé deixa de ter
onde publicar os seus desenhos, até que surge a solução: o diário Le Soir, de
Bruxelas, pretende criar um suplemento semanal para a juventude. As Aventuras
de Tintin reaparecem primeiro no suplemento Le Soir Jeunesse, até julho de 1941
e, mais tarde, diretamente no Le Soir, sob a forma de tiras diárias. A
colaboração de Hergé com o Le Soir e alguns jornais de língua flamenga, todos
sob domínio das forças de ocupação, causar-lhe-ia grandes inquietações no
momento da Libertação. Preso várias vezes, em setembro de 1944, para ser
interrogado, é ilibado oficialmente apenas em maio de 1946 com a obtenção do
seu “certificado de civismo”.
“Para o desenhador, a Segunda Guerra Mundial coincide com um
período de sucesso: nunca a tiragem dos seus álbuns na Casterman fora tão
grande. Mas foi, sobretudo, a época da sua maturidade gráfica. Pressionado pelo
editor, mas sempre guiado pelos seus princípios de simplicidade e de
legibilidade, Hergé adotou finalmente a cor em A Estrela Misteriosa, mas
escolheu tons delicados aplicados de forma uniforme, sem sombras nem degradês.
Perante a monumental tarefa de editar a cores os álbuns mais antigos, precisava
de ajuda: foi então que conheceu Edgar P. Jacobs!
“Este período carateriza-se também pela estreia de um novo
personagem: o Capitão Haddock, que surge pela primeira vez em O Caranguejo das
Tenazes de Ouro. Generoso, brusco e irascível, utilizando palavrões com
desenvoltura, este homem muito sentimental não deixará de nos impressionar com
o seu inabalável sentido de amizade.
“Uma família de papel
“As pranchas desenhadas a lápis apresentadas ao público
nesta sala testemunham o grande domínio de Hergé na arte do retrato.
“O seu traço a lápis torna-se mágico quando se concentra nos
seus personagens. É examinando, de perto ou de longe, os retratos realizados
por Hergé que nos damos conta até que ponto ele desenha bem. A sua
sensibilidade, o seu feeling e o seu domínio deste género são notáveis. Ele
observa e reproduz, muitas vezes ao vivo (outros posam para ele) e o resultado
é magistral.
“Se a banda desenhada foi, durante muito tempo, considerada
uma arte menor, foram personalidades como Hergé que a impulsionaram para níveis
artísticos nunca igualados. Certos esboços, realizados a grafite, do Capitão
Haddock, de Tintin ou do Professor Girassol, por exemplo, lembram-nos — pela
sua complexidade, a sua turbulência sábia, a justeza de tom — exercícios de
estilo que nada ficam a dever aos grandes mestres que Hergé admirava: Dürer,
Holbein, Da Vinci, Ingres…
“Hergé e a revista Coeurs Vaillants
“A relação entre o desenhador e os seus personagens é
profunda, íntima e duradora. Mas esta caraterística aplica-se sobretudo à série
de as aventuras de Tintin e Milu. Essa conivência será menos forte em Quim e
Filipe, embora os dois miúdos vivenciem peripécias e situações inspiradas em
parte na própria infância de Hergé. E será praticamente inexistente no que
refere às histórias de Joana, João e o Macaco Simão.
“Podemos, neste último caso, falar de um verdadeiro trabalho
de encomenda. O desenhador trabalha nesta série, manifestamente sem entusiasmo,
limitando-lhe, aliás, o número de álbuns.
“Embora o autor se regozije por ter sido, quase de imediato,
publicado em França, na Suíça e em Portugal, lamenta, no entanto, o facto de as
aventuras de Tintin, tal como as de Joana, João e o Macaco Simão terem sido
apresentadas, impressas, e até coloridas, sem muito respeito pelos critérios
qualitativos observados nas publicações de origem. O coração de Hergé não
reagiu com grande valentia quando viu a sua obra reproduzida em Coeurs
Vaillants.
“A arte do reclame
“O termo “reclame” não foi escolhido por acaso: é uma alusão
direta ao que era utilizado nos anos 1930, em substituição do termo
“publicidade” como dizemos agora. Os anos 1930 assistiram, assim, ao nascimento
do L’Atelier Hergé-Publicité.
“Esta sala revela um lado desconhecido dos talentos do
desenhador de banda desenhada. Encontramos aqui belos e grandes cartazes
concebidos por Hergé e pelo seu sócio José De Launoit. Descobrimos aqui o
verdadeiro talento do pai de Tintin no domínio da publicidade e das mensagens
de vocação publicitária. Toda uma época, todo um estilo!
“Os documentos expostos proporcionam também uma lição de
grafismo: a simplicidade da mensagem, o lettering, a distribuição, a repartição
dos espaços, a passagem a cor: toda uma série de caraterísticas e de
particularidades que reencontramos nos princípios fundamentais próprios da
linha clara.
“Os mesmos princípios se aplicam às ilustrações de capas,
panfletos publicitários e outros documentos relacionados com o domínio da
publicidade.
“Este aspeto menos conhecido, marginal em relação à
notoriedade da obra de BD de Hergé, inclui um outro que também não o é menos: a
série sobre animais Tim l’Écureuil (Tim, o Esquilo), influenciada pela
visualização, na época, dos desenhos animados.
“A lição do Oriente
“É incontestável que para Hergé o acontecimento mais
importante da década de 1930 foi o seu encontro com Tchang Tchongjen e a
publicação do álbum O Lótus Azul.
“O jovem ocidental é “confrontado” com um jovem oriental.
Pontos em comum: a arte (pintura, escultura, desenho, banda desenhada), a
religião (Tchang é católico), a língua (Tchang fala francês). O choque…
“Um encontro que se materializa com uma nova aventura de
Tintin, dotada de maior dimensão na narrativa em comparação com os episódios
anteriores.
“Esse acontecimento é celebrado nesta sala por numerosos
documentos: pranchas realizadas a tinta da China, ilustrações de capas do Le
Petit Vingtième relacionadas com O Lótus Azul, folhetos, objetos pessoais de
Tchang, etc.
“A parede com fascículos do Le Petit Vingtième evoca, por
sua vez, a intensa atividade de Hergé desenhador e ilustrador durante os anos
1930. Atividade que não se limita, claro, à criação do episódio de O Lótus
Azul. Não deixa de ser notória a piscadela de olho a Quim e Filipe e a outras
produções assinadas por Hergé durante esses anos de trabalho intenso.
“O nascimento de um mito
“O destino de Hergé mudou para sempre a 10 de janeiro de
1929. Tintin está em marcha!
“Hergé sempre gostou de contar histórias. Dotado de uma
memória extraordinária e de uma curiosidade sem limites, este puro autodidata
assimila rapidamente a arte de contar uma história, a découpage, as receitas
para que aquilo “funcione”.
“Das influências reconhecidas pelo próprio autor (Rabier,
Saint-Ogan, McManus) aos primeiros desenhos significativos, dos “pecados da
juventude” às pranchas conseguidas, da pré-publicação no Le Boy-Scout aos
álbuns na Casterman, das técnicas de reprodução aproximativa à bela impressão
sobre papel de qualidade superior, vamos descobrir a evolução do processo
criativo que levará o jovem Georges Rémi a tornar-se Hergé, pai da banda
desenhada europeia.
“Podemos ver vinhetas notáveis, extraídas de Tintin no País
dos Sovietes. Uma bela reflexão sobre “a beleza silenciosa do preto e branco”,
e a receita da linha clara”.
Conceção e orientação: Carlos Carrilho, Raquel Feliciano e Ricardo Mendes
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