Descobri a Banda desenhada lendo
séries como o “Principe Valente”, de Hal
Foster, série criada em 1937, que lia avidamente nas páginas coloridas do
suplemento dominical do “Primeiro de Janeiro” , onde também seguia o “Reizinho” de Otto Soglow, criado em 1930,
igualmente publicado a cores nesse mesmo suplemento.
Também “conhecia” o Pato Donald e o Mickey, em edições
brasileiras, séries que transitaram do cinema de animação para a banda
desenhada, no princpio do século XX.
Mais tarde deliciava-me com as
tirinhas do Peanuts nas páginas diárias do Diário de Lisboa, série nascida em
1950.
Pela década de 1960 descobri o
Tintin, criado em 1929, ou o Blake e Mortimer, criado em 1946.
Ou seja, todas as bandas
desenhadas que me marcaram tinham nascido antes de mim.
Todas?
Todas não!. Uma houve que
nasceu depois de mim.
Refiro-me à série Astérix, que
comemora hoje o seu 60º aniversário.
A idéia dessa série nasceu de uma
conversa entre Goscinny e Uderzo, à volta de umas cervejas, durante o Verão de
1959. O objectivo era criar um personagem de Banda Desenhada tipicamente francesa
para integrar a primeira edição na nova revista Pilote, que surgia como
contraponto francês à revista belga TinTin.
Logo aí Uderzo esboçou o primeiro
estudo daquela que se tornou a personagem principal que deu nome à série, o
pequeno Astérix.
(o 1º esboço para Astérix)
(prancha onde os autores de auto representam, ironizando com o momento em que idealizaram Astérix)
Foi no dia 29 de Outubro de 1959
que a revista “Pilote” iniciou a publicação das aventuras desse pequeno gaulês,
intituladas “Astérix o Gaulês” e onde se traçavam desde logo os temas
recorrentes da série.
(Capa do nº 1 da Revista Pilote)
Era a história de uma pequena
aldeia de gauleses irredutíveis, dirigida pelo chefe Abraracourcix, que resistia ao domínio do Império de Roma,
situada por volta do ano 50 a.C.
Cercados por vários acampamentos
romanos, resistiam graças à poção mágica fabricada pelo druida Panoramix.
Astérix é o herói da série,
pequeno, mas inteligente, é ele que está no centro das aventuras, sempre
acompanhado pelo seu amigo, o gigante Obélix, fabricante e vendedor de menires,
que não precisa de tomar a poção mágica porque caiu no caldeirão da poção
mágica quando era pequeno.
Essa aventura inaugural traça
logo o universo de situações e personagens que vão ser o ponto de partida para
as dezenas de aventuras da série que terminam sempre com um banquete e a
tentativa falhada do bardo Assurancetourix cantar para o grupo.
É só na quinta aventura da série,
“A Volta à Gália”, que vai aparecer uma das personagens mais populares da
série, o cão Idéafix (na página 13 da revista Pilote nº 172, em Fevereiro de
1963), cujo nome foi escolhido por concurso aberto aos leitores da revista
Pilote.
Ao longo das várias aventuras vai
aparecendo um infindável número de personagens que caracterizam o divertido
universo de Astérix.
Ao longo das várias histórias, Astérix
e Óbelix percorrem quase todo o mundo antigo associado ao período do Império
Romano, da Bretanha , à “Hispania”, da “Helvécia”, à “Corsega”, da Bélgica à
Normandia, do Egipto aos Góticos…
Nessas viagens são parodiadas até
ao absurdo os estereótipos relativos aos particularismos nacionais, muitas
vezes de forma assumidamente anacrónica, remetendo para situações
contemporâneas.
A metáfora, os jogos verbais os
gags visuais devem-se à criatividade dos seu autores, o argumentista René
Goscinny e o desenhador Albert Uderzo.
Curiosamente a série não conheceu
o êxito imediato que se pode pensar. O seu primeiro álbum, reproduzindo a
aventura inaugural publicada em continuação durante vários números da revista
Pilote, editado pela Dargaud em 1961, “Astérix o Gaulês”, teve uma tiragem de apenas 6 mil exemplares,
sendo hoje avidamente disputado no mercado do coleccionismo.
Só em 1966 é que a série atingiu
o êxito absoluto, com a edição do álbum “Astérix entre os Bretões”, com uma
tiragem de 600 mil exemplares esgotada em duas semanas.
A última aventura da série,
lançada no passado dia 24 de Outubro, tem uma tiragem de …5 milhões de
exemplares!
Astérix é a série de Banda
Desenhada francesa mais vendida no mundo, um total de 380 milhões de álbuns.
Foi traduzida para 111 países,
sendo a BD mais traduzida do mundo.
Portugal está no top 10 dos
países onde se vendem mais exemplares da série, em 9º lugar, com 6 milhões de
álbuns vendidos, à frente do Brasil, com 3 milhões. A lista é liderada pela
França e países francófonos, com 141 milhões de exemplares vendidos.
A série começou a ser publicada
em Portugal na revista “Foguetão”, no seu 1º número, editado em 4 de Maio de
1969, sendo o primeiro país não francófono a editá-la.
A revista “Foguetão” só durou 13 números e
essa primeira história ficou incompleta. Voltou a ser publicado em Portugal ao
longo dos anos 60 nas revistas “Cavaleiro Andante”, “Zorro” e “TinTin”, sendo
nesta última que conheceu maior êxito entre nós.
Em 1967 foi publicado o primeiro álbum
em português.
No primeiro álbum da série, não
aparece uma única figura feminina, a não ser um criança da aldeia, numa única
vinheta.
Contudo, rapidamente começa a
aparecer uma galeria de personagens femininas, que se tornam cada vez mais
importantes na série.
O momento alto do papel feminino
na série é na histórias “Astérix e Cleópatra”, editada em álbum em 1965.
Destaquemos figuras como Falbala,
a paixão platónica de Óbelix, que faz a sua aparição em “Astérix Legionário”
(1967), Bonemine, a esposa do chefe da aldeia, figura dominante, a tal “grande
mulher atrás de um grande homem”, que surgiu pela primeira vez em “Escudo de
Averne” (1967), entre tantas outras. Uma nova personagem feminina é a figura
principal do novo álbum editado na semana passada.
Em 1972, no álbum “O Adivinho”
(1972) elas obtem o direito de beber a poção mágica e, em 1974, no álbum “O
Presente de César” (1974) passam a participar nos debates públicos da aldeia e
no banquete final.
Muitos identificam a êxito de
Astérix como metáfora da afirmação dos franceses numa europa dominada pelo
imperialismo norte-americano.
De facto, Astérix surge no ano a
seguir à fundação da 5ª República, no início do mandato de dez anos no General
DeGaulle, que retirou a França do comando da NATO e seguindo uma politica
internacional de oposição à politica norte-americana.
As referências à situação
politica internacional é abordada muitas vezes, de forma indirecta e irónica em
vários momentos da série Astérix.
OS AUTORES:
GOSCINNY
Se há série de banda desenhada
que muito deve ao talento do argumentista, talvez mais do que ao do desenhador,
ela é “Astérix”.
René Goscinny foi o argumentista
que criou a série, homem que já tinha uma vasta experiência nesse campo, tendo
trabalhado como tal em muitas das séries mais famosas da BD francófona.
Nasceu em Paris em 14 de Agosto
de 1926, mas acompanhou os pais, judeus de origem ucraniana, a mãe, e polaca, o
pai, na sua emigração para a Argentina,
onde viveu até 1945, quando foi viver para Nova Iorque, para junto de um tio, devido ao falecimento
do pai. Sendo incorporado na armada americana, partiu para França, mas sem
nunca ter entrado em combate. Regressado aos Estados Unidos, conheceu alguns
dos mais importantes desenhadores que estiveram na origem da criação da revista
MAD em 1950, entre eles Hervey Kurtzman.
Conheceu também, na ocasião, dois
dos mais importantes autores da BD franco belga, Jijé, um dos desenhadores da série Spirou, e Morris, o criador de Lukcy Luke, que por essa
altura viveram algum tempo em Nova Iorque. Estes apresentam-no ao director da
agência World’s Press, uma agência belga especializada na divulgação de BD.
Goscinny resolve ir a Bruxelas apresentar o seu trabalho, como desenhador,
nesta agência, que o ignora. É Jean_Michel Charlier, criador do Tenente
Blueberry, que o põe em contacto com o meio da banda desenhada franco-belga,
onde conhece Albert Uderzo, com quem inicia uma profícua colaboração.
Desistindo em definitivo de se
dedicar ao desenho, inicia-se como
argumentista na série “As Belas Histórias do Tio Paul”, desenhada por Pierre
Dupuis e Eddy Paape, e com o seu amigo Morris, nos argumentos de algumas das
mais interessantes aventuras de Lucky Luke, publicadas na revista Spirou.
Em
1952 começa a colaborar com Uderzo na
série Jehan Pistolet e Luc Junior. Em 1956 cria a série “Le Petit Nicolas”,
desenhada por Sempé e colabora esporadicamente com Jijé na série Jerry Spring.
Em 1956 entra para a revista
TinTin, sendo responsável pelos argumentos de várias séries e histórias, entre
elas o “Senhor Spaghetti” de Dino Attanasio, Modeste e Pompom de Franquin e,
com Uderzo, Humpá-pá, que vai ser uma espécie de ensaio geral de Astérix.
Juntamente com Uderzo e outros
jovens autores, lança-se em 1959 na aventura do lançamento de revista francesa Pilote,
para a qual criam Ásterix, que inicia a
sua longa vida na 1ª edição dessa revista editada em 29 de Outubro de 1959,
tonando-se chefe de redacção da revista.
É nesta série e nesta revista que
Goscinny se torna mais conhecido, mas continua a colaborar em muitas outras
séries, como no argumento do Califa Haroum et Poussaha, desenhado por Jean
Tabary, que tem o célebre Vizir Iznogoud como personagem icónica.
Contestado por vários jovens autores
na sequência do Maio de 1968, e depois de uma saída em massa de vários deles para fundarem outras revistas icónica das BD francesa, como Charlie
Hebdo, L’Echo des Savannes ou Fluide Glacial, acabou por sair da revista,
dedicando-se ao cinema de animação e à série Ásterix, contribuindo para
relançar a animação francesa.
Na sequência de uma prova de
esforço, recomendada pelo seu cardiologista, acaba por morrer de ataque
cardíaco em 5 de Novembro de 1977, aos 51 anos, tendo deixado pronto o argumento para mais
uma aventura de Asterix, “Astérix entre os Belgas”, que só foi publicada em
1979, a última aventura do irredutível gaulês, num total de 24, que contou com
o seu argumento.
UDERZO
Albert Uderzo, nascido numa
pequena localidade francesa do Marne, em 25 de Abril de 1927, felizmente ainda
vivo, com 92 anos, continuou a série, mantendo-se fiel ao estilo de argumentos
impostos por Gocinny e que fizeram o êxito da série.
Uderzo é, como o nome indica, de
origem italiana. Começou a desenhar aos 13 anos, copiando bandas desenhadas da
sua infância. A partir de 1945 trabalha como ilustrador, desenha anúncios
publicitários e pequenas histórias para vários jornais e revistas e inicia-se
no cinema de animação.
Em 1957 iniciou a sua colaboração
com Goscinny na série Luc Junior, colaboração que se torna mais importante na
série Humpá-pá, publicada na revista Tintin a partir de 1958, embarcando com
Goscinny , no ano seguinte, na aventura do lançamento da revista Pilote, para a
qual criam conjuntamente a série Astérix. Em paralelo, Uderzo cria a série
Tanguy e Lavardure, esta com argumento de Charlier. A sua crescente dedicação à
série Astérix leva-o a abandonar a dupla realista de aviadores franceses que, a
partir de 1966 é continuada por Jijé.
(várias séries e histórias da autoria de Uderzo, entre elas uma biografia de Marco Polo que foi publicada em Portugal, em fascículos, salvo erro, no suplemento PimPamPum do jornal "O Século", na décadada de 1960)
Em 1974 funda os estúdios Idéfix,
juntamente com Goscinny, para gerir a realização dos filmes de animação de
Astérix, que se tinha iniciado neste meio em 1967.
Após a morte de Goscinny em 1977,
Uderzo continua a série Astérix, mantendo sempre o nome do amigo falecido nos
cabeçalhos da série.
Uderzo publica um total de 8
albuns com argumento próprio, abandonando a série em 2005 com a aventura “O Dia
em que o Céu lhe caiu sobre a cabeça”.
Lançou ainda em 2009 um livro
comemorativo do 50º aniversário da série.
A partir de 2013 a série foi
retomada com desenho de Didier Conrad e argumento de Jean-Yves Ferri, que publicaram nesse ano
“Asterix entre os Pictos”.
Depois disso essa dupla já
publicou mais três aventuras da série, a última das quais no final da passada
semana, em 24 de Outubro, intitulada “A Filha de Vercigéntorix”.
Mais informações sobre as comemorações do 60º aniversário da série podem ser encontradas AQUI, no site oficial de Ásterix.
Algumas capas e páginas da Revista Pilote com referências à série Astérix:
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