Acaba de ser lançada a vida e a obra de Pessoa em Banda Desenhada, num álbum intitulado "As Aventuras de Fernando Pessoa, Escritor Universal", da autoria de Miguel Moreira e Catarina Verde.
Essa obra, que nasceu de uma edição em blog, levou dez anos a ser concluída, beneficiou de uma bolsa que lhe foi atribuída por Rui Tavares, antigo deputado do Parlamento Europeu e actual líder do "Livre" e que resolveu aplicar parte do seu ordenado como deputado a apoiar vários projectos de investigação e criação artística.
Não sendo esta a primeira vez que Fernando Pessoa e a sua obra servem de mote à criatividade no mundo da banda desenhada, Miguel Moreira explica a idéia de transformar Fernando Pessoa em herói de Banda Desenhada:
“Infelizmente, e ao contrário do que aconteceu com o cinema, a banda
desenhada continuou durante tempo demais a ser considerada como uma mera forma
de entretenimento, cuja popularidade foi entretanto decrescendo. As diluídas
noções de autoria e de responsabilidade autoral foram no entanto produzindo os
seus efeitos, contribuindo para o apuramento formal do meio e, em alguns casos,
para a pertinência temática de certas obras.
“Um dos obstáculos que dificulta ainda hoje uma digna elaboração
artística da literatura desenhada e uma adequada recepção crítica da mesma por
parte da generalidade dos eventuais ou potenciais leitores é a primazia de que
têm beneficiado, não os artífices, mas sim as personagens, no gosto do público.
Quanto a isso, a culpa talvez seja do Ulisses…
“Fernando Pessoa, como se sabe, prestou-se ao culto iconográfico da sua
pessoa, culto esse que teve resultados particularmente felizes na série de
pinturas que António Costa Pinheiro lhe dedicou. É deveras difícil não ficar
interessado pelo semblante desse transeunte lisboeta que viveu no longínquo e
vago início do século XX português, cuja reputação de génio literário
incompreendido e ignorado em vida se ficou a dever à obra que guardara diligentemente
num arca, e ao facto de grande parte dela não ser da sua autoria mas antes de
uma série de personalidades sem existência real, excepto aquela que os papéis
atestam.
“Devo no entanto admitir que fui resistindo a esses encantos até à
minha entrada na idade adulta, tendo chegado, no desenvolvimento de uma desassossegada
vocação artística (como convém que seja toda a vocação artística, seguindo os
melhores exemplos), a um ponto em que se tornara urgente passar “dateoria à
prática”. Percebo agora que essa demora deveu-se a uma íntima e inconsciente
convicção: no meu caso concreto, a melhor teoria seria aquela que sucede à
prática, e não o contrário.
“Durante essa tomada de consciência, a ideia de transformar o Fernando
Pessoa numa personagem de BD parecera-me interessante, mas a dúvida estava em
saber que história contar. A minha resistência ao fascínio pessoano estava
prestes a ceder. Após a leitura do texto “António Botto e o Ideal Estético em
Portugal”, publicado em 1922 e cujo tema é a criação artística, percebi finalmente
que a única história digna de ser contada seria a da personagem real.
“Aquela que nascera em 1888 e morrera em 1935, entenda-se. Pareceu-me
contudo, numa fase inicial da concepção da biografia em banda desenhada cujo
título e primeira meia-página encimam este breve escrito, que outra das
personagens do complexo e ambíguo universo pessoano poderia merecer uma atenção
especial e diferente – uma atenção “outra”. Resolvi imaginar um dia na vida do
apagado e postumamente célebre empregado de escritório da Rua dos Douradores e
apresentá-lo sob a forma de um “livro dentro do livro”, inserindo-o cronologicamente
no decorrer da história maior (que veio a ter, na sua forma final, 166
páginas). É esse o segmento que se apresenta aqui; o seu título é: “AsAventuras de Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa…”.
“O que distingue principalmente este episódio do resto da história é o
facto de não ter palavras. Salienta-se assim uma das características essenciais
da literatura desenhada: a capacidade expressiva das suas sequências
“silenciosas” de imagens; e preserva-se outra: a banda-desenhada não é
“literatura truncada e ilustrada”. Fico contente por ter evitado esse erro.
Baseando-me nos textos do “Livro do Desassossego” tardio, onde o seu autor é
definido pelo seu meio ambiente, aproveitei, de acordo com o meu propósito, os
elementos visuais mais sugestivos assim como as acções passíveis de serem
representadas, e compreendidas sem o apoio dos textos originais. A cor destas
dez páginas (com capa e contracapa próprias), e de toda a BD, é da
responsabilidade da minha colaboradora, a Catarina Verdier”.
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