quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Miguel Montenegro e os Psicopatos



Reproduzimos em baixo uma reportagem publicada recentemente na revista do Diário de Notícias, Notícias Magazine, sobre um dos mais prometedores autores da Banda Desenhada Portuguesa, autor da série "Psicopatos" (que pode ser seguida AQUI no seu site oficial): 

“O TRIUNFO DOS PATOS

Por: José Ramalho         
in Notícias magazine de 05/10/2015 
                    
“Miguel Montenegro foi o primeiro português a trabalhar para a Marvel, mas apaixonou-se pela psicologia.

“Entretanto, lançou um livro de cartoons que junta as suas duas paixões. Os protagonistas, os psicopatos, têm um olhar mordaz sobre psicólogos, psiquiatras e algumas patologias mentais. Rir é mesmo o melhor remédio para tudo?

“Com onze anos, Miguel Montenegro decidiu que, quando crescesse, seria ilustrador profissional e trabalharia para a Marvel. «Lia muita banda desenhada de super-heróis e orientei a minha vida nesse sentido. A minha adolescência foi passada a desenhar.» Em 2003, realizou o sonho, tornando-se no primeiro português a trabalhar para a gigante norte-americana de banda desenhada. Entre outros trabalhos, «MIG», como costuma assinar na BD, fez a capa de X-Men, n.º 51, e colaborou como desenhador oficial na série Red Prophet, também da Marvel Comics.

“Já adulto, descobriu outras paixões: a psicologia clínica e a filosofia. «De repente os interesses começaram a ser outros e decidi tirar o curso de Psicologia. Queria uma coisa com uma vertente mais prática.»

“À procura de estímulo intelectual que complementasse os interesses artísticos, juntou ilustração e psicologia e começou a desenhar umas tiras de banda desenhada a que deu o nome de «psicopatos». «Durante o meu primeiro ano do mestrado em Psicologia Clínica no ISPA [Instituto Superior de Psicologia Aplicada] comecei a ficar um pouco frustrado com algumas coisas que os professores diziam nas aulas e das quais eu discordava. Optei por patos por gerar um bom trocadilho com a palavra “psicopata”.»

“Não lhe parecendo adequado apresentar as discordâncias nas aulas, encontrou nos cartoons a forma de manifestar as suas críticas. Os colegas gostaram da ideia e, em 2013, começou a publicar semanalmente as tiras de banda desenhada numa página do Facebook.

“Questionando o que considera ser alguns dogmas das ciências psicológicas, como o conceito de inconsciente, o uso excessivo de medicação e a própria existência de doenças mentais (o que poderá levar muitos autores a não concordar, de todo, com o que satiriza), Miguel utiliza estes cartoons para desconstruir e satirizar a psicanálise, conseguindo assim partilhar com os leitores pensamentos e conhecimentos de forma divertida e informal (e por vezes polémica, até). «Rapidamente, ao fim de três ou quatro tiras, os “psicopatos” chegaram aos ouvidos do reitor do ISPA, que me convidou a elaborar um livro. Essa foi a motivação para que continuasse a produzi-los de forma regular.» Ainda em 2013, por ocasião dos cinquenta anos da instituição, foi lançado o livro Psicopatos: 50 Tiras sobre as Ciências Psicológicas, uma edição limitada, a que chamou volume zero.

“Miguel acredita que tanto a psiquiatria como a psicanálise têm uma componente comercial – «é um serviço que está a ser prestado a um cliente, ainda que chamemos paciente a qualquer pessoa que vá ter com um terapeuta» – e é esse o fio condutor da sua sátira aguçada. Nestas tiras humorísticas, o protagonista, «Patareco», é um pato estudante de Psicologia, sempre com respostas sarcásticas que evidenciam as contradições do que o autor considera ser algumas verdades absolutas no mundo da psicologia. Todos os personagens, sem exceção, são representados por animais. O porco, psiquiatra, é inspirado no livro O Triunfo dos Porcos, de George Orwell, em que estes animais chegam ao poder numa quinta e ditam as regras, decidindo o que é ou não verdade. Neste caso, a comparação com a psiquiatria é feita com base nos mesmos princípios, dado que, defende o ilustrador, «é o psiquiatra que tem o poder e que decide o que é, ou não, uma doença mental». Já o gavião-vampiro, que Miguel liga aos psicanalistas, acaba por representar o facto de estes «sugarem» tudo o que as pessoas têm na mente, além do tempo que levam em terapia.

“Fobias, depressões, neuroses, psicoses e outras perturbações são temas abordados por Miguel, num mundo em que são prometidas curas rápidas e eficazes por parte de psicólogos e psiquiatras – e nem sequer Sigmund Freud escapa à sátira… A crítica vem do tempo em que estava a tirar o curso e ninguém sabia que ele era ilustrador. Tanto que várias vezes lhe perguntaram o que fazia em Psicologia e se não se teria enganado na escolha, tais eram as questões que colocava nas aulas, como: «a psicologia e a psicanálise são ciências?» Ou «qual a diferença entre estas e uma religião»? A resposta a colegas e professores, assim como uma série de outras perguntas, chegaram em forma de cartoon, pela voz destes patos e de outros animais, que verbalizam as dúvidas do autor, para quem a doença mental é uma metáfora, a mente humana um mistério, a psicologia, psiquiatria e psicanálise não são ciências exatas e têm demasiados métodos em comum com a religião.

“Opiniões controversas? No mínimo. Mas Miguel Montenegro pretende chocar propositadamente. E, sobretudo, fazer pensar. Haverá quem não se reveja nesta linha de sátira, mas também quem defenda que é possível rir de tudo isto – e, assim, refletir. «Psicopatos traz consigo (…) uma forma simultaneamente comprometida mas desafiante, que coloca a psicologia, os psicólogos e aqueles com quem eles mais se relacionam sob um escrutínio que nos devia merecer reflexão», escreve o psicóloge e psicanalista Eduardo Sá no prefácio.

“Dois anos depois do lançamento do volume zero, o ilustrador lançou este ano o primeiro livro oficial, Psicopatos: Entre Loucos, Quem Tem Juízo É Pato (ed. Arcádia). Estes personagens são, neste momento, a grande prioridade de Miguel Montenegro, apesar de continuar a trabalhar como ilustrador freelancer e na área da psicologia clínica. «Estou a finalizar o segundo livro, que deverá sair na época do Natal. Além disso, estão também a ter grande aceitação no estrangeiro e será lançada em breve uma edição francesa. E já existem projetos para o Brasil e os Estados Unidos.» O site www. psychoducks.com contém todas as tiras traduzidas em cinco línguas diferentes”.

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