Foi nos finais dos anos 60, início dos anos 70 do século
passado que o termo “fanzine” se tornou conhecido, apesar de muitos indicarem a
origem desse tipo de publicações nos anos 20/30, principalmente no mundo anglo-saxónico,
muito ligadas à divulgação da ficção científica.
A designação de “Fanzine” é uma referência a publicações
amadoras, impressas de forma rudimentar, que se expandiram muito nas décadas de
60 e 70 do século XX graças ao aparecimento de novas técnicas da impressão,
como o stencil electrónico, permitindo edições baratas e rápidas.
Os “fanzines” dedicam-se à divulgação de textos e obras de
“Fãs” da cultura alternativa, a banda desenhada, a ficção científica ou a música
popular.
Editavam-se de forma irregular, com uma tiragem limitada, distribuidos à margem dos circuitos comerciais, sem registo legal e no mais variado tipo de suporte.
O termo fanzine é uma combinação de “fã” (ou “fanático”) com
“magazine” (publicação em “revista”). O Dicionário de Língua portuguesa da
Academia de Ciências define “fanzine” como uma “revista editada por amadores
sobre temas que lhes são caros” (pág.1692 do 1º volume, ed.Verbo, 2001).
Nos Estados Unidos a expansão desse tipo de publicações está
muito ligada ao movimento underground e contestatário dos anos 60, com
temáticas ligadas à divulgação da música rock alternativa, mas também ao
chamado movimento dos “comix”, onde se destacaram nomes como Robert Crumb,
entre muitos outros, uma forma de fugir à censura e ao domínio das grandes
agências comerciais.
Na Europa esse movimento vai estar muito ligado à afirmação
da Banda Desenhada como arte, combatendo preconceitos sobre a 9ª arte e
permitindo divulgar novos autores à margem do circuito comercial, dominado
pelas grandes editoras e revistas tradicionais. Foi o que aconteceu com a
aparecimento de Giff-Wiff em França, em 1962, ligado ao “Le Club de Bande
Dessinée”, criando nesse ano, para defender as qualidades artísticas dessa
arte, ao qual estavam ligados nomes como Francis Lacassin, Alain Resnais,
Jean-Claude Forest e outros, tendo publicado vários números até 1967. Giff-Wiff
é considerado o primeiro “fanzine” de BD, pelo menos no espaço “franco-belga”.

Seguiram-se outras publicações do mesmo tipo. Em França
tivemos Phénix (1966 a 1977), Ran Tan Plan (1966-1978), Alfred (1969-1974),
Schtroumpf- Les cahiers de la BD (1969-1990, seguindo-se uma curta série entre
2004 e 2005 e regressando como revista de grande qualidade em 2017, continuando
a publicar-se trimestralmente nos nossos dias), Falatoff (1971-1977), Haga (1972-1986), Submarine (1972-1975), Hop
(1972 e ainda em publicação recentemente), Zounds (1972-1975), este dando
origem ao fanzine Valkis (1973), Sphinzine (1973) e Zigomar (1973); na Bélgica
tivemos Buck (1971-1974), Robidule (1971), Skblllz (1972-1979), BD’70 (1973);
na Suíça de língua francesa tivemos Krukuk (1971-1973) e Copyright (1972-1974;
em Espanha destacamos Cyborg (1970-1973)
e Comic camp, Comic in (1972-1976),
e isto para falar apenas nos pioneiros. Muitos desses títulos começaram
como fanzines, quanto ao tipo de edição e impressão, e transformaram-se em
revistas de grande qualidade.
O movimento libertário e contestatário do Maio de 1968 deu
um forte contributo para a expansão desta forma de cultura alternativa.
Em Portugal deve-se a Vasco Granja, nas suas crónicas nas
páginas da revista TinTin, publicada em Portugal desde 1968, a divulgação do
movimento dos fanzines.
Foi assim que muitos entusiastas pela Banda Desenhada,
muitos deles jovens à procura de um espaço para divulgarem os seus trabalhos e
outros interessados em escrever textos de divulgação sobre o seu passatempo
preferido, a leitura de Banda Desenhada, se decidiram a começar a editar os
primeiros fanzines portugueses.
Um conjunto de factores que se cruzaram nesse período
facilitaram o nascimento dos primeiros fanzines em Portugal, o que aconteceu em
1972.
Para além do efeito da edição portuguesa da revista TinTin,
esse foi o período da chamada “Primavera marcelista”, que levou a algum
abrandamento da censura, da massificação das escolas secundárias, os antigos
Liceus, que tiveram de aumentar os seus recursos tipográficos, para a feituras
dos testes e de materiais de apoio, incluindo as “modernas” máquinas de
impressão a stencil, principalmente o chamado stencil electrónico, que tornavam
muito mais fácil produzir matrizes com ilustrações.
Tornou-se assim mais fácil editar fanzines, dando
continuidade também a uma tradição de edição de rudimentares jornais escolares.
Embora alguns apontem como
primeiro “fanzine” português a edição de
“O Melro” em 1944, da autoria e José Garcês, um único exemplar que o
autor alugava a quem o quisesse ler, o primeiro fanzine português, integrado
nos novos tempos dos anos 70 foi o
Argon, editado em Janeiro de 1972 por alunos do liceu Gil Vicente, em Lisboa,
com a publicação de BD original, tendo editado 4 números até 1974.
Seguiu-se a edição de Saga, pelo ABC cineclube de Lisboa,
movimento que conhecia então um novo alento, também devido à “abertura
marcelista”, fanzine esse de caracter mais teórico, do qual se editaram 2
números.
O terceiro fanzine português foi o Quadrinhos, saído em
Abril desse ano na Damaia, dirigido por Vasco Granja, informativo e teórico, e do qual se publicaram 9 números
até 1974.
Em Lourenço Marques (actual Maputo) surgiu o fanzine Orion,
editando 9 números até 1974.
José de Matos-Cruz foi responsável pela edição, no Verão de
1972, do fanzine Copra, com uma qualidade gráfica acima da média, editando, ao
longo das suas 4 edições, artigos de grande qualidade e uma excelente série Wanya
da autoria de dois futuros autores consagrados da BD portuguesa, Augusto Mota e
Nelson Dias.
Na Moita surgiu, também nesse ano, o fanzine Ploc!, que
editou 3 números até 1974, editando BD original e textos teóricos.
Entre Dezembro de 1972 e Março de 1973 editaram-se dois
números do fanzine Yellow Kid, dos Amigos da Banda Desenhada da Amadora, com
textos teóricos de grande qualidade.
O 8º fanzine editado em Portugal e o primeiro de 1973 foi o
nosso Impulso, “fabricado” no Liceu de Torres Vedras, editando 5 números ao
longo desse ano, com originais da autoria de jovens autores, textos
informativos e teóricos, onde colaboraram figuras como José de Matos-Cruz,
Carlos Pessoa, Jorge Guerra e Jorge Magalhães, para além de ter publicado uma
rara entrevista com Vasco Granja. Em 1976 organizou uma exposição de BD em
Torres Vedras e editou um número de uma possível 2ª série em 1976. A qualidade
da impressão a stencil não era muito famosa. Alguns membros da equipa do
Impulso, juntamente com os irmãos Sarzedas, antigos membros do Aleph e outros
estreantes, ainda editaram, em 1986, um número único do fanzine BêDêZine. (ler também AQUI).
Também em Janeiro de 1975, com a data de 15, surgiu uma
publicação, do género de um fanzinem intitulada Ex-Aequo, embora a Banda
Desenhada e o cartoon, nela editados, não fossem o tema principal, produzida
pelos “pré-finalistas” dos Liceus de Lisboa, com sede no Liceu D. Pedo V, da
qual de editaram vários números.
Nesse ano de 1973, mas já com uma excelente qualidade
gráfica, quase profissional, saiu o Aleph, que resultou da fusão dos fanzines
Saga e Yellow Kid. Publicou dois números antes do 25 de Abril e um terceiro
após essa data, quase totalmente preenchido com a reprodução de uma BD chinesa.
Foi o fanzine mais politizado de todos. Nele colaboraram os nossos amigos,
torrienses de adopção, João e Fernando Sarzedas.
Em setembro de 1973 foi editado o fanzine Rack, feito por
alunos do Liceu Nacional de Leiria, dirigido por Carlos Nina, prometedor autor
de BD que publicou trabalhos seus noutros fanzines, nomeadamente no Impulso.
Ainda antes do 25 de Abril, em Janeiro de 1974, surgiu o
fanzine Gambuzine, de origem anónima, com características underground.
Também em 1974 Jorge Guerra editou o fanzine Astro, que deu
origem, em 1976, ao fanzine Wandon.
Com o 25 de Abril, após um período de estagnação, devido ao
envolvimento de muitos dos mentores dos fanzines na dinâmica cultural e
política da época, houve um período de estagnação no movimento dos fanzines,
conhecendo-se um novo período de expansão no final da década, destacando-se a
edição do Boletim do Clube Português de Banda Desenhada, a partir de 1976 e,
nos anos 80, muito por acção de novos movimentos vanguardistas, como o
movimento punk, conheceu-se um novo período de grande pujança do movimento de
fanzines, com temáticas diversas, mas o declínio voltou a acentuar-se neste século XXI com o impacto da internet e das redes sociais.
O regresso a um modelo analógico de divulgação cultural,
mais original e criativo, parece estar a fazer voltar algum interesse pelo
recurso ao modelo dos fanzines, agora em novos moldes, com novos recursos e com
novas preocupações.
Venerando Aspra de Matos