Mas agora ficámos sem ele de forma irreversível, e o mundo ficou mais amargo e mais
pobre sem um observador atento das ironias da rotação diária deste planeta.
Quino, nascido na localidade de Mendonza, na Argentina, em 17 de Julho
de 1932, como Joaquín Salvador Lavado Tejoin, ficou conhecido pela série de
Banda Desenhada "Mafalda", tendo falecido ontem, aos 88 anos, na sua terra natal
e um dia depois do aniversário do nascimento daquela série.
Era filho de imigrantes espanhóis da Andaluzia e ficou órfão muito cedo,
da mãe quando tinha apenas 13 anos, e do pai aos 16.
Deve a um seu tio homónimo, Joaquín, quer o diminutivo Quino que o
imortalizou para se distinguir dele,
quer o gosto pelo desenho.
Frequentou a Faculdade de Belas Artes, mas abandonou-a em 1949 para se
iniciar na Banda Desenhada e no cinema de animação, tendo realizado o seu
primeiro trabalho em 1950 para um anúncio publicitário.
Em 1954, depois de cumprir o serviço militar obrigatório, começa a
trabalhar para a revista humorística “Isto É”, iniciando assim o seu percurso
como desenhador que o leva a colaborar em várias revistas e jornais da
Argentina.
Em 1963 publicou o primeiro livro com trabalhos seus, “O Mundo de Quino”.
Um ano antes, em 15 de Março de 1962, por mero acaso, cria a figura de Mafalda.
Ironicamente essa personagem, imortalizada pelas criticas mordazes à
sociedade de consumo, surgiu para uma campanha publicitária para divulgar uma
empresa de electrodomésticos, a Mansfield.
O contrato era realizar uma série de tiras de banda desenhada para um
jornal, onde cada história fazia publicidade aos artigos daquela empresa, onde
cada personagem tinha um nome começado por “M”, tal como a empresa.
O nome da personagem principal ficou assim “Mafalda”, um nome
escolhido não só para cumprir o contrato, mas também em homenagem a um romance,
“Dar la Cara”, de um escritor admirado
por Quino, David Viñas.
Contudo, esse projecto não se concretizou, mas, um ano depois, convidado
para colaborar no semanário “Primeiro Plano” vai repescar os esboços para
aquela frustrada campanha publicitária e inicia assim a publicação da série que
o imortalizou, a nossa conhecida “Mafalda”, nascida nas páginas desse semanário
em 29 de Setembro de 1964.
A série irá transitar por várias publicações e jornais, durando até 25
de Junho de 1973.
Baseou-se na vida de personagens reais da sua amizade e do bairro de San Telmo, em
Buenos Aires, onde Quino vivia.
Publicaram-se 1928 tiras da série, e vários álbuns, para além de uma
sequela em cinema de animação, a partir de 1967, mas o seu autor sentia-se escravizado
pela personagem, nunca mais voltando a desenhá-la, a não ser em ocasiões
especiais, como sessões de autógrafos.
A série foi publicada pela primeira vez na Europa em 1968, na Itália, e,
pouco depois, noutros países.
Em Espanha a censura franquista obrigou que a edição da série fosse
acompanhada com a advertência de “conteúdo para adultos”.
A censura acompanhou igualmente a série noutros países sujeitos a
férreas ditaduras, como no Brasil, no Chile e na Bolívia.
Em Portugal a série foi publicada pela primeira vez em 1970, ano da
morte de Salazar beneficiando da curta abertura política do início do “marcelismo”.
Na Itália, que se tornou a segunda pátria de Quino, a edição do
primeiro álbum de “Mafalda” nesse país ficou prestigiada com um prefácio de Umberto
Eco.
Quino contribuiu para elevar a Banda Desenhada ao estatuto da
filosofia, pela forma como reflectiu, através do humor, sobre os temas
contemporêneos.
Ficará assim no panteão dos grandes pensadores do nosso tempo.
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